14.5.14

Mãos que são mapas

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As mãos decantam o sol furioso. Ensaiam a teia por onde a luz deixava de arder. O corpo, errando no deserto, vagueia pelas paisagens perdidas. Lunares. Não havia equinócios ou bússolas que tivessem valimento. Só as mãos e o seu instinto.
Ao entardecer, já o corpo transido, a cabeça repousando entre os joelhos abertos pôs as mãos ao alcance de um olhar meticuloso. Dir-se-ia prostrado: a jornada fora longa, extenuante; a certa altura, era como se sentisse que andava em círculos, tal a semelhança das paisagens. Mas as mãos desmentiam o mau presságio. As mãos que envelheciam ditavam a sua sabedoria. Prostrado para não ser cambaleante, a cabeça ainda repousada entre os joelhos em contemplação das mãos. Tinham sido elas a rastrear o caminho, a encontrar vestígios entre a terra e as pedras que emprestavam à paisagem uma forma lúgubre. Dantes, as mãos tinham sido mestras de tantas obras. Mãos meirinhas da bondade, mãos artesãs que aplacam os reveses que troam sem pesar. Mãos enrugadas, mapa de onde saem as constelações inspiradas que derrotam as malsãs intromissões.
Sabia que estava nas suas próprias mãos. Deposto nelas, era como um navio sulcando águas mansas, em pleno vapor, sem sobressaltos. Pois se as mãos tinham dissolvido todo o sal que, incrustado, seria corrosivo. Se as mãos passam no dorso das contrariedades e lhes apetece dedilhar as páginas que vêm com os dias restantes. E se às mãos assiste a claridade maior, elas que se sobrepõem a todo o corpo maior que, ora sus!, se faz parte menor diante da eloquência das mãos. Apertam-se as mãos, já não cruas, depostas no suor que é transfiguração dos corpos que se fundem. Delas irradiam as forças que não são exangues. A elas pertencem os rudimentos que apalavram o porvir apetecido. As mãos enrugadas são um mapa. De onde se aprendem as sinuosas curvas pretéritas. E onde se insinuam as cores dos caminhos que se desembaciam no lustro do nevoeiro que enfeitiça as alvoradas. As mãos são prestigiosas entidades que fundem os atritos da maré enfurecida. Elas compõem a prestidigitação em que anoitece o sono. Ao cabo do sono, é como se as mãos se tivessem alisado, num feitiço de que não há serventia procurar satisfação.
As mãos estão prontas para outro dia. Para o amanhar com a fronte dedicada a amparar o suor que há de ser vertido. Porque amanhã é outro dia.

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