20.5.14

Luz do norte


In http://globoesporte.globo.com/platb/files/1018/2011/01/aurora_boreal_1.jpg

Era como se uma aurora boreal pudesse desaguar nestas latitudes. Como se os nevões nórdicos pudessem fazer uma temporada, uma breve temporada, por quase mediterrâneas paisagens. Às vezes, a luz clara, tão fria que se tinge de uma claridade singular, precisa de irromper entre as nuvens densas que se acastelam diante dos olhos. 

Desenganem-se os cultores da rigidez do estio, os que desagasalham com prazer quando os corpos se queixam das tórridas temperaturas: o estio é um estorvo. Falaz, como se fosse um demónio a insinuar-se com mansas falas, a quentura é um farsante que propagandeia o oposto do que em nós deixa. Não nos iludamos: somos sorvidos por uma luz amarelecida que distorce a lucidez e embacia o olhar e, de repente, quase acreditamos ser touaregues com ímpar destreza para lidar com a aridez do deserto. Mas não somos. Teremos tez queimada, própria dos latinos povos; o sangue também é quente, em socorro das mesmas influências, quando elas triunfam nos ventos do Saara que entram na península, imparáveis. O nosso fado não é olhar com nostalgia para além dos algarvios mares, como os antepassados foram peritos na saga dos descobrimentos. 

Os tempos mudam. E mudam as convenções, assim como os pleitos de que somos peões, já não generais mandantes. Os ventos que agora contam são soprados desde as distantes terras árticas. São ventos frios, que revigoram as carnes. E bem precisadas estão, agora que deixamos de ser generais e engordamos a larga fileira dos peões. Precisadas as carnes de um módico de resistência, se não perecem à menor contrariedade, tantos os sacrifícios que vieram a contragosto. As auroras boreais importadas das nórdicas paisagens seriam o mote para a necessária introspeção. O que queremos ser doravante? Um arremedo das gestas gloriosas de tempos de antanho, mesmo que os tempos de agora sejam a antítese dos de então? Uma alucinação coletiva, de mão estendida em pedinte maneira, eternamente mantidos pelos que do norte emanam um feixe de riqueza?

Sejamos, pois, da sua têmpera. Façamos de toda a luz clara o regimento das forças hoje ausentes. E tiremos a bissetriz à coreografia de cores dedilhada na combustão da aurora boreal. Nem que sejamos negação do aquecimento global e a nossa geografia perfilhe os elementos nórdicos.

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