2.5.14

Dois dedos de conversa

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Sobre “o nosso dever de falar” (Cesariny): falar para derrotar o silêncio. O silêncio que arpoa uma solidão sem o ser, mas em que o não sendo (porque há presença física) nela se torna por omissão de palavras. Por isso impõe-se haver dois dedos de conversa. Nem que seja sobre os mais frívolos motivos, da meteorológica conversa que discorre sobre o tempo que faz, à estafada temática do tempo que percorre as margens da existência com uma velocidade alucinante.
À falta de melhor, dois dedos de conversa. Sobre a atualidade. Ou um filme. Ou o mar encantatório. Ou a lua contumaz. Ou um livro perturbante. Ou as arrelias da humanidade. Ou a crueldade da pena de morte. Ou as sombras que se escondem detrás dos espelhos. Ou a música. Ou os sentimentos humanos que se enovelam em paradoxais formas. Ou as angústias que são consumição interna. Ou, por que não?, da matéria que nos tece o orgulho. Nem que seja para retirar da moldura do tempo as memórias. Mas sem escorregar para as vidas outras que só aos outros interessam – pois que se as vidas outras locupletam o tempo da conversa, é sinal de que as vidas próprias são enfadonhas.
Dois dedos de conversa. Que se fazem três, desmultiplicam em quatro, numa progressão que vá na direção do infinito. Pois as palavras não devem ter freio nem fim estimado. Devem ser um frémito espontâneo, mesmo que às vezes elas venham amalgamadas no pulsar instantâneo e sejam palavras que doem. Nem que assim seja: pois a elas se seguem outras que são arrependimento, o devolver das impensadas palavras à procedência da irreflexão. Mas sempre uns dedos de conversa que não podem perder oportunidade. Como galhos de árvores fecundas, nas noites brancas como nos dias plúmbeos, com os olhos que percorrem as águas mansas de um rio ou as ondas tumultuosas do mar.
Pois sobre tudo há palavras prontas para serem entretecidas, na subjugação do silêncio que transforma a penumbra em clarão. Em homenagem ao “nosso dever de falar”.

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