3.4.14

Cortina de espelhos


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As sombras todas. Vultos. Mordem no pescoço mal os pés avançam no labirinto. As paredes são espelhos. Cortinas de espelhos. Espelhos baços. Só deixam ver penumbras. Não há lugar à nitidez das formas de quem neles se retrata. Às vezes sussurram palavras ininteligíveis, rumores que esbarram nos ouvidos sensíveis. Os pés não se intimidam, errantes no labirinto enigmático. Há espelhos que parecem retrovisores. Espelhos que nos fitam desde o chão e espelhos que adejam sobre nós. E nós, que nos perscrutamos na aridez do tempo. Os espelhos que irradiam a simplicidade das formas parecem propositadamente ocultados. Forçam os olhos a um esforço quântico: separar as formas embaciadas que sobram dos espelhos fumados, que são em número dominante. Às tantas, empertigamo-nos com os espelhos pretéritos. Não é uma melancolia: soa a nostalgia, como se o labirinto tratasse de depositar aos nossos pés um passado intacto. Mas os espelhos depõem esperanças. O que deixam aos nossos pés são as ruínas de outrora que vociferam, por si mesmas, a sua perfeita inutilidade. No meio do jogo, as sombras soçobram. Aquietam-se nas heráldicas cinzas que sobejam das ruínas. Na cornucópia de sombras que se sobrepunham num demencial desenho, os pés furtam-se à covardia dos espelhos baços ao desfazerem uma esquina. E, de súbito, as paredes são feitas de ladrilhos policromáticos, o ar ampara-se na sua leveza, antevendo uma sonora gargalhada de perfume. Uma brisa anuncia o mar por perto. Talvez o mar por dentro se o impasse sair derrotado. Ao fim de um corredor comprido, tão comprido que o cansaço parecia dá-lo por interminável, configura-se um singelo espelho. À medida que a distância se liquefaz, os olhos estremecem. Não é um espelho – e um espelho podia ser sinónimo de outras sombras, tão indesejáveis como as de há pouco. É uma janela. Para fora do labirinto. Ensinando que os espelhos madraços, corroídos pelas sombras que pertencem ao tempo gasto, não são penhores de boas culturas. Os quadris empoleiram-se no parapeito da janela. À última hora, uns braços invisíveis querem empurrar o corpo para dentro. As pernas fraquejam. Num último remoço, arremetem para fora da janela – e arremetem decididas. É lá que vive o tempo que interessa. Sem sombras, nem espelhos.

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