3.3.14

A casa

In http://www.joaobem.biz/blog/wp-content/uploads/2008/08/parede-decorativa.jpg
A casa onde os sonhos foram depostos. A casa, matéria física desses sonhos. Onde eles se despojam da penumbra em que viveram sitiados. Agora há paredes sensíveis, tetos com candeeiros, janelas para a rua, o soalho acolhedor, umas mãos noutras mãos. Agora, o sono alado encontrou estábulo e repousa. Repousa de olhos bem abertos, para emoldurar nos vértices da memória as representações da alma que são feitoras da casa.
Na casa há maresia em redor. De um mar que segreda o sussurro de que somos cativos. Os copos de vinho onde mergulham os olhos vívidos perfumam a casa. Que se aformoseia com o voar do tempo, que traz em sua visitação os querubins generosos que são vigilantes sublimes. As mãos que tateiam as paredes emprestam à casa as suas impressões digitais. São invisíveis ao olhar mais atento, que só os habitantes da casa as conseguem discernir no seu olhar meticuloso, com o arfar contínuo de quem é seu tutor. A casa pede flores e plantas, para rimar com a sua frondosa indumentária. Numa comunhão de sentidos, um microcosmos que faz inveja ao tamanho do universo.
A casa: virada ao mar, virada às cores que vêm do céu, ao luar que se entreabre nas portadas amplas que o decantam; testemunha de uma harmonia indizível; uma quimera aos olhos outros, já não quimera aos olhos que são sua caução. A casa empresta-se ao devir com as portadas amplamente abertas. Por ela adentra a maresia encantatória, que sobe as escadas e levita no céu alvar que se confunde com o teto. Outrora foi matéria onírica, uma paleta de cores na congeminação das almas. Como as obras o são: pensadas, nascidas, crescidas e aptas. A casa: penhora da alquimia das almas que a povoam. Seus verdadeiros feitores. Pois as casas só importam quando são obras aptas. De onde vem um porvir povoado pela cintilação das estrelas noturnas e dos dias soalheiros, ou da magia do tempo soturno que adestra as tempestades e o mar vagabundo. A casa os ampara a todos, elementos bondosos ou importunações que não escalam as ameias protetoras da casa.
A casa, em estreita comunhão com as divindades que se escondem no vasto mar: uma alcáçova de ambições sem medida. O leito onde os olhos arrecadam a serena digressão pelo devir. Pois a casa diz que o navio encontrou seu cais e já não navega por estima.

Sem comentários: