21.2.14

Peixe sem aquário

Television, "Marquee Moon" (live), in http://www.youtube.com/watch?v=JtFlD-dD-F8
Éramos peixes que não tinham aquário. Andávamos pelo modismo punk. E éramos a antítese sociológica do punk, a menos que ruíssem os estereótipos que acantonam as pessoas em lugares pequenos, dentro de uma homonímia castradora, como se fosse proibido transitar entre diferentes espaços estéticos.
Bebíamos o punk e não medrava cansaço de nele nos embebermos. Não nos revíamos no argumentário rebelde, mas éramos rebeldes à nossa maneira. Ajuramentámos que não tinha de haver integral comunhão de propósitos, nem teríamos de caucionar toda a mensagem que os idealistas do punk vertiam em voz rouca e dura. Nunca congeminámos indumentária e visual a preceito. A rebeldia, guardámo-la para as digressões interiores que, às vezes, fantasiavam revoluções que nunca haveriam de o ser. Depois conhecemos o modismo gótico. Foi um enamoramento pela sonoridade, que o misticismo gótico não colhia em nós adeptos.
Íamos aos lugares onde estes músicos atuavam. Olhavam-nos com desconfiança, corpos estranhos que éramos numa multidão tingida por trevas da cabeça aos pés. Continuámos a ser peixes sem aquário. Não nos importávamos. Não havia importunações maiores, nem a violência era connosco. Chegámos a visitar comícios comunistas, ó heresia com perdão, por mais alto falarem os músicos que por lá atuavam. Entretanto, o tempo teve o seu lugar. Os modismos que julgámos definitivos quando os tivemos, hibernaram. As dores de parto das responsabilidades da adulta condição silenciaram a rebeldia que fermentara no idealismo punk ou na parafernália gótica.
Agora, a nostalgia quer derrotar a hibernação que deixou de ser imperativa quando a acomodação sussurrou o pleito do envelhecimento. Alguns vão aos tempos de antanho para soprar a poeira que era madraça das recordações. Outros ensaiam uma antropologia cultural vistosa, para descobrirem o fio à meada aos modismos em que transitámos na adolescência e na pós-adolescência, esquadrinhando a inspiração dos novos ícones que acrescentam o pós ao punk e ao gótico. Outros, apenas reaprendem. Sem panaceias para o tempo ingrato, se não voltam a ser peixes sem aquário.

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