16.12.13

Acertar contas com o tempo

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As cartas espalhadas em cima da mesa. Ao lado do copo de vinho, onde já assentava o depósito próprio do vinho envelhecido. A sombra à volta, entrecortada pela luz do candeeiro que pousava sobre as cartas. As mãos, as mãos suadas e tremeluzentes, desciam sobre as cartas. Os dedos pareciam acariciá-las. Ou apenas medravam, tementes que as cartas devolvessem um fado não querido. Lá fora um cão uivava insistentemente, e não estava lua cheia para tirar conclusões precipitadas no embaciamento dos simbolismos estéreis.
Ao lado do copo de vinho, um relógio antigo deixava a ecoar no espaço o troar dos ponteiros. Meteu as mãos suadas ao cabelo, despenteando-o. Era como se aquele gesto convocasse um impulso, um qualquer frémito vindo de dentro, capaz de desatar a inércia em que a sinfonia de vozes que se sobrepunham umas às outras deixava o pensamento. Espreitou entre duas filas de persianas. A noite ia tardia. O relógio confirmava-o; mas quem saberia se o relógio estava pela hora acertada? Mas ia adiantada a noite, atestada pela ausência que preenchia a rua virada para a janela de casa. O sono não estava para breve. Era uma daquelas noites em que as facas da insónia acertavam vinganças com a jugular assustada. O sangue, era como se corresse a uma velocidade vertiginosa nas veias, crestando-as com o sabor da inquietação. A dor dos combates inúteis era excruciante. E, talvez, uma perseguição despojada de entendimento.
Já tinha jurado que era tempo de acertar contas com o tempo. Adiara as contas. Umas vezes por falta de coragem. Outras, porque a distração do tempo, um demónio inimitável, desviava o olhar para onde não estava a matriz de tudo. Extenuado das noites em branco, das armadilhas que semeara no seu próprio caminho (queria acreditar, involuntárias), dos olhos marejados, da pele em refrigério pela decantação dos aleatórios ventos, sem critério, convencera-se que era altura de tirar as medidas ao contrário. Era tempo de acertar as contas com o tempo, de vez. Não podia arriscar a falta de coragem de outrora, quando se julgava curador de feras amestradas e, todavia, as trazia atadas a uma coleira que só as deixava ver ao longe. No acerto de contas com o tempo, desceria do pedestal e passaria a ver todas as coisas ao perto, derrotando o medo – o seu sepulcral desfaso.
O tempo que estivesse por vir seria o que viesse. Transitaria do medo do tempo exíguo para a planície de farta vegetação onde não havia sobressaltos com o tempo por experimentar. Acertar as contas com o tempo não tinha nada de pretérito.

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