29.11.13

Rendez-vous

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Julgava-se náufrago. Não era condição invejável. Também não era condição a desprezar. Um náufrago que sabe ser essa a sua condição é um sobrevivente. Traz estórias para contar
Julgava-se um náufrago. Errando pelo mar imenso, empurrado para onde as correntes queriam. A sua pequena jangada, pequena mas coriácea, fazia companhia. Tudo o que queria, depois de tanto tempo embarcado na sua solidão, era avistar um pedaço de terra ao longe para, ato contínuo, desembolsar o exíguo vigor na força braçal que, a nado, o estimasse à terra firme.
Em sonhos, tecia planos. Haveria de construir, com as suas próprias mãos, uma cabana que o protegesse das intempéries. Haveria de a ornamentar com orquídeas, se orquídeas houvesse na terra aportada. Haveria de fabricar as artes de pesca e as de caça para que se pudesse alimentar. Haveria de arranjar maneira de passar ao papel as memórias enquanto náufrago, ou as memórias enquanto habitante singular da ilha que o tivesse recebido como abrigo. Haveria de contar as estrelas ao anoitecer, deixando os olhos fixar-se nas linhas imaginárias que teciam pontos em forma de figuras míticas. Seriam essas as figuras que consideraria suas protetoras. Com elas falaria, por precisão de falar. Para não desaprender a fala.
E haveria, um dia, de lobrigar uma sereia ao longe. Extenuada e ferida por um arpão de um baleeiro, esvaindo-se em sangue. Haveria de ser seu guardião, tratando-a com esmero de enfermeiro. Trataria de arranjar jarras e de as dotar de abundantes flores, das mais garridas cores e com os perfumes extasiantes. Porventura, enamorar-se-ia da sereia. Haveria de a devolver ao mar mal estivesse convalescida, que o habitat de uma sereia não é o areal que bordeja o mar e o amor não é um cárcere.
Não sabia se haveria de aspirar a ser encontrado, nem que fosse anos depois, por uma expedição em demanda de terras virgens que o devolvesse à terra sua. Ainda sob os auspícios do sonho augurado pela jangada que era testemunha da sua solidão, sentia o pensamento arqueado pelo peso da incógnita a que não conseguia oferecer resolução. E nem sequer houvera o rendez-vous com a terra ainda mirífica.

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