2.10.13

Beyond reasonable doubt


In http://botafogo.nova-acropole.org.br/sites/default/files/imagecache/550px_largura/agenda/botafogo/labirinto_p.png
Era um timorato que não saía do sítio, receoso que o peso de uma decisão, em sendo má, se arqueasse sobre o seu dorso e não soubesse suportá-lo. Muitos menos as suas consequências. Irresoluto, pesava cada grama na ponderação do que podia ser propício e das feridas que podiam ser lancinantes. Na maior parte das vezes, decidia não decidir. Convocava a incerteza dos efeitos para decidir não decidir. Se fossem deste jaez os arquitetos do mundo, o mundo tinha parado lá atrás.
Perante as hipóteses de ação, desembrulhava um largo mapa onde contracenavam os atores da contenda. Por estranho que parecesse, a complexidade mental que entulhava a indecisão crónica tinha seu contraforte na singeleza das peças que compunham o xadrez em que se moviam os feitores da decisão. Tudo se acantonava num binário estertor entre bons e maus (atores). O problema era quando o raciocínio se virava contra esta simplicidade e puxava lustro aos meandros complexos: depressa os bons passavam a ser maus, para mais tarde regressarem à condição de bonomia e, por fim, ser tanta a confusão que, a páginas tantas, já não sabia quem era quem e em que condição se movia no tabuleiro. O percurso mental ramificava-se por corredores que se afivelavam num labirinto indecifrável.
Esmagado pelas dúvidas, e viciado nelas, reacendia a inércia da hibernação. Um torpor patológico consumia-o. Aprendeu a conhecer-se como alguém que só sabia de adiamentos. Só quando não houvesse laivo de dúvida é que arremetia para uma decisão. Mas as únicas núpcias de que sabia existência eram as da não decisão. Não se lembrava de concluir, em sentido categórico, que era o que era por estar ao abrigo da dúvida razoável. Tudo esbarrava na dúvida razoável. O lastro proeminente de onde emanava a única decisão que tomara conhecimento: a decisão de não decidir.
Um dia houve: alguém que calou tão fundo que fez ruir todas as fragilidades. Reaprendeu-se. Deixou de ser condómino da indecisão. Queimou os papeis onde resguardava o cautelar pronunciamento da dúvida razoável. Extinta a fronteira mental, viciou-se em decisões. Já não interessava se eram ponderadas. Também aprendeu a conviver com o lado amargo das decisões que, saber-se-ia no porvir, foram erradas. Não fora o arrependimento que aprendera. Aprendera a pastorear os riscos. Pois uma má decisão é sempre melhor que o letargo da não decisão.

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