6.9.13

Sozinho com a lua


In http://www.youtube.com/watch?v=DQhMiiHowCg
Aquela noite era de abrigo necessário dos sobressaltos acotovelados em curvas inesperadas do tempo. Era uma noite de solidão. À espera que o tempo se tingisse de palavras chãs, desapossando-o das horas apoquentadas. Meteu-se à noite, sozinho como prometera. Era como se naquela noite estivesse num lugar distante, desconhecido, todos estranhos as poucas pessoas na rua. Andaria pelas ruas como se fosse a primeira vez que as transitava.
Os óculos de sol no banco do automóvel pediam serventia. Mas era noite, e os óculos têm função que não é servida na súplica da noite. A noite tinha a lua como testemunha. Uma lua inteira, tremeluzindo na sua alvura, rociando luz onde de outro modo haveria a melancolia da noite. Parou num promontório da cidade, onde todas as casas planavam debaixo do olhar. Desprendeu-se da cidade que fazia de conta não saber quem era. Dirigiu o olhar para a lua, como se ela estivesse a olhar só para ele e a pedir-lhe o obséquio de ser sua confidente. Duvidou dos propósitos da lua. Por um momento, interrogou se não andaria demência por perto – onde já se vira, meter conversa com a lua tão alta?
Como a noite era diferente das noites normais, não recusou a prestação da lua. Arqueado sobre o umbral do miradouro, as mãos entrelaçadas uma na outra, subiu o olhar à lua para saber se ela sabia dos sobressaltos que teciam a insónia daquela noite. Ouviu uma voz sussurrar ao ouvido. À míngua de gente, pois não era hora de turistas e o miradouro estava por sua conta, convenceu-se que era a lua a comunicar. Pediu-lhe para que repetisse as palavras que acabara de sussurrar. A lua disse “não te importunes, os males também não são perenes.” Pôs-se um silêncio, mas a lua não se impacientou. Ao cabo do silêncio, ele contestou:
- Mas quando os sobressaltos se abatem sobre quem neles se doem, aos outros cabem os encorajamentos. São só palavras de circunstância. O que resolvem elas?
A lua contrapôs:
- Olha para a minha irradiação. Sou musa de poetas, mas estou sempre em órbita, milimetricamente compassada. Daqui não posso sair. Contudo, não me entristeço. Não penses que é resignação. É outra coisa: é o que é, sem que tal seja resignação. Aprendemos com as contrariedades. Quando é preciso, adaptamo-nos a elas. Não há outro remédio. E repito: não vejas aqui qualquer laivo de resignação.
Estiveram o que sobrava da noite imersos nesta filosófica demanda. Pela alvorada, quando a lua teve de se despedir e o deixou entregue à sua magnânima solidão, parecia não ter perdido uma noite de sono. Foi a casa só para um duche rápido, que o trabalho esperava-o. Pelo caminho, enquanto o bulício ganhava lugar com a trepidante cadência do tempo, as palavras da lua não saíam do pensamento. Sobretudo quando ela advertiu que os sobressaltos só o são quando pomos o chão a preceito.

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

Tão, mas tão linda esta "contracena" ...