23.9.13

A fancaria do bairro seleto


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Faz lembrar uma aristocracia de antigamente, quando a decadência só não assomou, fruto da bancarrota financeira, porque essa aristocracia teimava na pose altiva. As castas renovam-se à mercê do tempo. Ainda que algumas oligarquias tenham sucessão dinástica, e envergar um certo nome de família seja lastro considerável, a modernidade e as ideias – digamos – mais democráticas abriram alas a uns arrivistas que se ofendem se alguém assim os apodar.
Contudo, correm notícias que alguns destes aristocratas, dos que têm velho estalão e dos que são neófitos na abastança, andam aflitos com os apertos da economia. As contrariedades são transversais. A crise é democrática. Só o não é quando alguns aristocratas, afogados em dívidas colossais e sem poderem vender o muito património, mantêm a pose altiva. E não se podem desfazer do património a não ser ao deus-dará, hipótese recusada para não darem o flanco e exporem os pergaminhos arruinados. Continuam a desfilar sobranceria, como sempre foi seu apanágio. Ele há alguns (faz-se constar) que navegam de dívida em dívida, sempre com o pescoço só um pouco soerguido à tona da água, enquanto vão enfeitando o livro vermelho do supervisor bancário.
Nem assim os sinais exteriores de abastança fraquejam. Só que nas mansões já não há manjares opíparos para uma imensa corte. Nem há férias em lugares paradisíacos, com diárias milionárias e um comportamento de quem não olha a gastos. Continuam a fazer-se deslocar em automóveis de gama alta, nem que os leasing deixem de ser pagos e eles se mudem para outro automóvel de alta cilindrada que depressa terá leasing em incumprimento. Os rituais de casta não mudaram. Socializam, como sempre socializaram, num circuito fechado que emite um feixe de sinais faz-de-conta que distinguem a casta. Mantêm a elegância, eles e elas, nem que os adereços passem a ser da mesma fancaria que se vende nas feiras dos ciganos e os cabeleireiros delas sejam de vão de escada.
Insisto: esta crise tem um potencial democrático que passa ao lado dos observadores. 

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

Saudação

“Oh geração dos afetados consumados
e consumadamente deslocados,
Tenho visto pescadores em piqueniques ao sol,
Tenho-os visto, com suas famílias mal-amanhadas,
Tenho visto seus sorrisos transbordantes de dentes
e escutado seus risos desengraçados.
E eu sou mais feliz que vós,
E eles eram mais felizes do que eu;
E os peixes nadam no lago
e não possuem nem o que vestir.”

Ezra Pound

(trad.Mário Faustino)