9.7.13

Photomaton


In http://casamento.culturamix.com/blog/wp-content/gallery/como-escolher-o-fotografo/como-escolher-o-fotografo-7.jpg
Não saía sem a máquina fotográfica à rua. O tempo, que transbordava no estertor da inatividade forçada, era tomado com a observação de rostos, de casas, dos seus detalhes que estariam escondidos não houvesse o olhar ficado acutilante na pose de observador compulsivo.
Estudava os lugares e as pessoas antes de as meter dentro de uma fotografia. Às vezes não era possível esse vagar estudioso. Às vezes, o retrato era função de um instante. Se não, a oportunidade dissolvia-se. E, às vezes, nem dava conta do tempo passar, ocupado na errância pelos rostos e lugares e casas que se ofereciam, sem oferta que fosse voluntária, a uma fotografia sublime. Gostava de jogar com as cores e as sombras. Gostava de sentir que as fotografias eram espelhos em sucessiva reposição, por detrás de cada sombra que decaía da imagem retratada.
Os rostos não eram fotografados ao calhas. Os pés metiam-se ao caminho, em ruas movimentadas ou em ruas sossegadas, que um rosto enigmático descobria-se sem critério nem levantamento de probabilidades. Arriscava punição severa, não pedia licença aos rostos, nem às casas ou às paisagens, para serem metidos dentro de uma fotografia. Os rostos emoldurados podiam protestar pela invasão. Não fosse ser apanhado na curva traiçoeira, ia preparado para reações adversas dos rostos aleatoriamente retratados. Punha aparência de turista (um panamá desajeitado, umas sandálias no verão, uma pose estudada de quem anda por ruas por onde nunca andara), e nunca teve contratempos.
Antes do deitar, demorava horas a armazenar as fotografias amealhadas ao cabo da jornada. Aproveitava para jogar outra vez com as cores, beneplácito dos filtros do programa instalado no computador. Na parede do escritório continuavam expostas as fotografias que eram suas obras-primas. Uma velhinha cansada ao sol de inverno, o xaile colorido a afagar o dorso enquanto as mãos acariciavam um gato poltrão à espreita da luz soalheira. Um marinheiro eslavo de rosto fechado, as mandíbulas apertando-se iracundas a descer do navio em passo acelerado, as gotas de chuva que pareciam inertes ao cair. A procissão noturna com imagem desfocada, a câmara captando o cortejo por trás, a imagem desfocada ao ponto de apenas se notar a constelação de velas incensadas. E o polícia com olhar dividido entre a criança que ensaiava malabarismos no skate (num sentido) e a jovem curvilínea que hasteava lascívia enquanto ostentava um andar provocante (noutro sentido).
E um autorretrato que só ele conseguia discernir, o fotógrafo encerrado num chapéu farto, tirando-se o retrato na confluência de uma esquina com um edifício envelhecido e o espelho que facilitava o trânsito no beco apertado. Era um detetive das imagens furtadas aos outros.

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

“É sempre outra coisa,
uma só coisa coberta de nomes”.

Herberto Helder