20.5.13

Um pedaço de toponímia


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O arquiteto era figura grada da cidade. Homem notável, assíduo dos salões sociais e em ações beneméritas, eram conhecidos os méritos de praticar o bem em prol do próximo, a intensa vida cultural e a escrita prolífica.
No seu atelier foram alinhavados os esboços de alguns edifícios emblemáticos da cidade e algumas obras públicas que a cidade, em indulgência dos representantes eleitos, lhe encomendou. Jovial, não recusava cumprimentos aos anónimos com que se cruzava na rua. Houve uma altura em que alimentou a esperança de ser o candidato à autarquia por um dos principais partidos. Não fora a sua independente condição, e umas críticas ainda mal digeridas pelo aparelho do partido, e podia ter sido presidente da câmara. O mal fora dos menores, que depressa se convenceu que a ambição política seria lida pela gente quase toda, quando o que ele queria era servir a cidade que ainda estava precisada de um ordenamento de território – coisa da sua especialidade, que ensinava em universidades.
O arquiteto gostava de ser conhecido na rua. Era figura quase consensual pela bondade que praticava e porque escapava a qualquer peleja que um adversário (que os há sempre) provocasse. Não gostava de celeumas, detestava que o metessem numa vara de sete paus em que a polémica fosse gratuita matéria-prima. Alimentou, durante anos a fio, um sonho secreto (só partilhado com a consorte): queria que o seu nome ficasse imortalizado numa rua qualquer da cidade. Numa já existente, atirando para o esquecimento o nome que lá estivesse. Ou numa artéria nova, que carecesse de batismo. Preferia esta hipótese. A aspiração quadrava com a carência, um pouco narcísica, de obter reconhecimento público.
Mas houve outro dia, depois de muito tempo a marinar a ambição a um pedaço de toponímia, em que acordou virado do avesso. Estava cansado de ser figura pública. Cansado de fazer de conta que praticava, desinteressado, a bondade para os desprotegidos. Cansado dos salões sociais onde abundava frivolidade e hipocrisia (tanto que mesmo ele fora contagiado pela maledicência militante dos salões). Cansado de simular entendimento erudita das variadas formas de vida cultural a que comparecia só para marcar presença. Nesse dia tomou uma resolução: não fosse um vindouro autarca lembrar-se de imortalizar o seu nome na toponímia local, verteu em testamento a terminante proibição de o seu nome ser tomado de empréstimo para a toponímia da cidade.
Mudou de planos: já não queria ter uma rua com o seu nome. 

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