21.5.13

Árvore em fogo


In http://jovemurso.files.wordpress.com/2010/12/burning_xmas_tree.jpg

O vestido transparente ondeava na penumbra. Os pés frágeis, desnudados, deslizavam com a suavidade da pele transida pelo frio noturno. Mas o ritual imprecava suas demandas, e nem o frio outonal desembaraçava a vontade de o acatar.

A lua intimidada fazia-se testemunha. Ao longe ouvia-se o que parecia ser o uivar de lobos em desnorte. A casa estava longe, o solo era a cama do orvalho que se deitara sobre as pedras ungidas pelo musgo. Os pés continuavam, frágeis e amedrontados, fazendo o caminho na servidão do desconhecido. A luz tímida da pequena lua não chegava para ser devida candeia. O vestido largo e transparente, que deixava aos olhares tresmalhados a silhueta esbelta, ruminava passos temerários. Espreitou por entre as veredas o que pareceu ser uma fogueira. A luz que se incensava tomava conta do pequeno céu emoldurado no firmamento a que o olhar chegava. Passou a ser sua bússola, pois o temor do lugar desconhecido gritava por alguma luz caridosa.

O clarão ficava mais perto mercê dos pés nus que a atiravam para as proximidades do fogo que incandescia em sua volúpia. Descobriu uma árvore tomada pelo fogo. Uma árvore isolada, as demais sem mácula do fogo, testemunhas da desgraça daquela singular árvore. Nem as faúlhas que fulguravam, furiosas, conseguiam atear fogo nas árvores vizinhas. Seria da humidade da noite, as árvores restantes empenhadas no resguardo do orvalho.

Ficou estática, requentando-se no calor que se soltava da incandescência, mas apoquentada pela fogueira em que se tornara a isolada árvore. Pareceu-lhe ver um vulto desenhado nas labaredas que se despenteavam dos ramos em evanescência. O vulto ensaiava movimentos com os braços, acenava para poente. Do poente não conseguia perceber o que poderia ser almanaque. Fez a vontade ao vulto abraseado que viera das profundezas do fogo. Pela madrugada, já nas suas costas a claridade depunha a vetusta noite, chegou ao fim da andadura. Por diante, o mar.

O cansaço desenhado no rosto e a noite em branco, que deixavam estragos de uma insónia, embaciaram alguma lucidez. Entendeu depois. O nutriente que exclamava pela sua presença era o mar salgado por diante. Não se intimidou com as águas frias. Atirou o corpo murmurado ao mar que julgara malsão. Foi quando lá longe o fogo que deixara a árvore em meras cinzas se voltou para dentro. E ela, molhada e tiritando de frio, foi recolhida por um pescador que a deixou em casa. Completara a tarefa. E ela, enfim, reavivada.

Sem comentários: