24.4.13

Astros adulterados



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O suor pingava do rosto da astróloga, escorria pelas rugas pousando na cama feita pela curvatura do buço. Ele não reprimia um riso pelo canto da boca, um riso de desdém – afinal tanta gente insistira para que fosse “fazer a carta astral”, que podia ser que os tantos males de que não havia safa pudessem ter diagnóstico na leitura dos astros, e a tarefa parecia tropeçar nuns imponderáveis que os astros não dominavam.
Parecia mal parada, a coisa. Ele dera toda a matéria-prima à astróloga: data e hora de nascimento, mais o lugar que o viu parir, os dados dos progenitores também. Ela entrara confiante, como deve ser o caso depois tantos anos a perguntar aos astros como são as pessoas. Depressa começou a perder a paciência, pois ele rejeitava cada atributo angariado pela carta astral. Os astros diziam que era sensível, ele tratou de vomitar um pedaço da boçalidade por que era conhecido. Os astros anunciavam-no dinâmico, seria um (como agora está na moda dizer-se) “empreendedor”. Atónito, deu provas de preguiça. A astróloga arranjou mais uns predicados diligenciados pela combinação de equações e bissetrizes traçadas na carta estendida diante dos seus dedos: mandavam dizer os dados catalisados através da carta que ele era ambicioso, implacável, desportista, distraído, sociável, sedutor, desprendido consigo (não curava da estética).
Um a um, negou todos os atributos. A astróloga começou a transpirar, protestando contra a falta de colaboração do homem. Perguntou se não estava a boicotar a sua peritagem em decifrar a alma das pessoas através da largueza dos astros. Ele respondeu que não, que respeitava a função, que estava a ser honesto com a astróloga; se não, o que o levaria a consultar a astróloga, a gastar todo aquele dinheiro, só pelo prazer de a desmentir?
A senhora sexagenária ajustou o lenço de cores garridas que tapava o cabelo e perguntou, talvez em desespero de causa, se tinha a certeza de ter nascido naquele dia, àquela hora, no local informado. O homem ganhou a mesma falta de paciência que notara na astróloga. Disparou uma pergunta em jeito de resposta: “quer a senhora lá ver que os meus pais também não são meus pais? Ou que eu sou como aqueles atletas africanos que, vem-se a descobrir depois, já foram pelo seu pé fazer o registo de nascimento?
A astróloga não admitia estar errada. Pediu mais uns minutos para repetir os cálculos – ele havia software que cuidava de agilizar a função. Os resultados foram os mesmos. Aquela pessoa que nascera no dia e hora indicados, no sítio que fora, com os progenitores que conhecera como seus pais, não quadrava com os astros. A astróloga recusou o óbvio (que fossem os astros a não quadrar com aquela alma) e lavrou sentença lapidar: “o senhor é uma aberração, só pode ser. Os astros falam num sentido e o senhor assegura-me o seu contrário...só pode ser aberração”.
O homem levantou-se da cadeira, resoluto, pegou na cabeça da astróloga encoberta pelo lenço de cores garridas e pespegou um beijo sonoro em forma de agradecimento.


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