14.3.13

Status quo


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Um ansiolítico social – era disso que ela precisava. Há gente que desdenha da sorte que lhe caiu no regaço. Ela tinha o luxo de escorraçar ofertas de trabalho. Ele acabara de ser utente do subsídio de desemprego. Ela desorbitava a fartura material, logo quando a ele começavam a sussurrar ao ouvido as primeiras contingências financeiras (que o subsídio não aplacava todas as necessidades que eram de antanho). Ela contrapunha: que estar bem na vida transcende a abastança; e que talvez a abastança fosse o ninho para as exacerbações que tomavam de assalto o estado de espírito.
Vinham de trás os antagonismos. Eram diferentes em tudo: no feitio, para começar; no percurso de vida, desde os estudos ao roteiro profissional; e também nas relações pessoais. No caso dele, uma mansidão extenuante. Nela, um contínuo tumultuoso. E, todavia, sempre ficaram ligados pelos opostos que os desuniam. As vidas desencontradas rareavam os encontros, que tanto podiam ser à mesa de um restaurante, num concerto, numa esplanada em tempo estival, numa exposição, numa peça de teatro, ou em casa de um ou do outro. Havia sempre um que tomava a iniciativa: era o que precisava de confrontar o outro com as diferenças que os uniam. A conversa era um sobressalto permanente. Raramente concordavam. Era no desacordo que encontravam um singular oxigénio que retemperava o pensamento.
Ele fora convocado pois ela tinha desabafos que precisavam de desembaraço. Atravessava (ou pelo menos julgava) um princípio de crise existencial. Outra. Ele estava habituado aos estados de alma amotinados. Ela procurava-o porque sabia que nele havia espírito crítico a rodos, perguntas constantes que esbarravam nas suas próprias inquietações, interrogações que se sentavam em cima das interrogações que já eram sua angústia. Ela gostava do método. Era como os bombeiros, quando ateiam um incêndio em sentido contrário de outro incêndio para o extinguir.
Desta vez ele estava no limiar da paciência. Ela desembainhara a espada afiada. Não queria o assédio de tanta gente que a queria recrutar com o privilégio do exclusivo. Pensara em retiro sabático. E ele, acantonado no desemprego, protestava contra este destempero. Nada era novo. Como sempre fora, estavam nos antípodas um do outro.
Desta vez, a conversa terminou com uma despedida abrupta. No meio de uma discordância exacerbada, ele levantou-se do restaurante a meio da refeição. Só teve tempo de ordenar: “já que estás cansada da abundância, paga a conta do jantar”.

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