16.10.12

A saga dos colaboradores


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Os gurus dos recursos humanos e da moderna gestão são férteis em eufemismos. Não sei se quiseram esvaziar a semântica marxista, feita de “luta de classes” em que de um lado estão os trabalhadores. Os gurus dos recursos humanos e da moderna gestão decidiram alterar o batismo de quem trabalha numa empresa ou numa repartição pública: passamos a ser colaboradores. E o velho Marx às voltas na sepultura. Esta modificação semântica está acima do meu entendimento (ou então são os gurus dos recursos humanos e da moderna gestão que precisam de umas lições de etimologia). Quando uma empresa (ou a administração pública) contrata alguém, é para trabalhar. A contrapartida é um salário, pois o trabalho não é gratuito (que já foi tempo da escravatura). Ora se nos dizem que “colaboramos” na empresa, a ideia de “colaborador” traz consigo a gratuitidade do trabalho. Se me dizem para colaborar em algo, vejo a função como um ato voluntário, gratuito. Colaboro (enfim, não colaboro – mas devia) com instituições que fazem a caridade. (Por acaso colaboro: dou umas aulas em regime de voluntariado – lembrei-me agora!) Aí é que sou um colaborador. Ofereço o trabalho, braçal ou não, sem retribuição. A peregrina ideia de Agostinho da Silva – o homem não devia ser obrigado a trabalhar; procurar trabalho para o sustento é uma violência – por benigna que seja, não tem cabimento neste mundo tão injusto, de tão hediondamente capitalista, em que vivemos. Não sou daqueles dotados de muito discernimento para encontrar pistas de uma soez conspiração de capitalistas abastados e governantes sensíveis aos interesses dos endinheirados. Não consigo ver nesta transfiguração semântica nada a não ser uma transfiguração semântica. Só me causa espécie chamarem “colaborador” ao intérprete do trabalho. E por que se não chama o mesmo a quem emprega os colaboradores? Afinal, eles também colaboram: ao contratar, ao permitir o acesso a um local onde se trabalha (perdão, colabora), ao pagar um salário, ao permitir férias, faltas e licenças. E, por que não, até quando despedem os colaboradores que despedem, colaboram com quem é despedido. Abrindo-lhes a porta da saída. E o mundo seria uma roda gigantesca de colaborações feitas por colaboradores de diferente jaez.

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