29.8.12

Em modo O’Neill


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À simplicidade das coisas complicadas. Não sabes nadar? Mergulha do alto de um penhasco para uma laguna onde não tenhas pé, e diz se não sabes nadar. Repugnam-te as vísceras de quadrúpedes transformadas em gastronomia fétida? Experimenta passar um punhado de dias sem mantimentos. Tens acessos asmáticos e ficas com apoplexia respiratória quando passa um gato nas imediações? Supõe que tinhas vocação para veterinário, ias descalçar a bota. O médico diz-te, com a autoridade paternalista de quem trata da saúde dos outros, que tens de deixar o uísque ou vais a caminho de uma trombose? Continua, não te esqueças da dose diária e vai encomendando a extrema-unção (se chegares a tempo de telefonar ao sacerdote). Ou podes, como deves, desdenhar de todos moralismos baratos que embelezam a quotidiana marcha do tempo e faz apenas o que apetece. Nunca se sabe quando chega a estação terminal. Pode ser doença, demorada, desfazendo em nada o que sobra da dignidade do ser. Ou pode ser sem aviso, a chave apodrecida abrindo outras, indesejáveis, portadas. Portanto, faz o que apetece. Não sabes o que é? Imagina meia dúzia de meses com lucidez e capacidades intactas, só isso. Esquece as coisas complicadas. Contempla-as, toca-as com o carinho que trazes nas mãos. Se parecem complicadas, cabe-te a sua transfiguração. As tempestades não passam de coisas imaginadas. Procura, por dentro da tua grandiosidade, as pétalas que arrefecem a fúria das tempestades. Bebe o que vier. Erra pelas ruas até se cansarem os pés. Protesta a bondade com que perfumas quem se cruza no caminho. Vai aos banquetes, assina petições (das mais ridículas às apoderadas pelo sisudo rosto dos signatários), monta a bicicleta ostentando apessoada fatiota, perde os modos à mesa, entra no mar todo vestido, deixa nas mãos de um mendigo uma esmola como nunca recebeu no tempo da mendicidade, viaja sem rumo, pega na paleta e pinta o céu da cor que calhar. E não te esqueças, tudo é complicado apenas quando nos convencemos da complexidade. 

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