24.5.12

Cabeças no ar


In http://kwmustlouis.files.wordpress.com/2010/09/looking-up-2.gif
Foguetes pela noite, nariz apontado ao céu, os olhos encantados pela crisálida de cores que acompanha o ribombar. E não damos conta do chão que pisamos. Das pedras, se estão sujas, se são praticáveis. E não damos conta das horas que vão em cima do tempo. Os anjos alados são zarapelhos fantasiados (de anjos). E nós, distraídos, açambarcados pelo devaneio que empresta um certo ar celestial (ou, dir-se-ia, onírico?), nem chegamos a medir a cauda melíflua que se destapa, descuidadamente, no convés da fantasia de anjo.
Nem com chapéus. Nem com chapéus lá vai – as cabeças sempre aéreas, as palavras ditas pelos outros que soam a nada, como se entrassem num ouvido em canal direto para o outro à velocidade do som. Depois acusam-nos de insultarmos, com a nossa apatia, quem nos diz as coisas que seriam tão importantes e que em nós apenas soaram a silêncio. Parece que há um mundo – melhor: um universo – que pertence apenas a nós. Somos seus condóminos exclusivos. Refinamos as antenas dos sentidos e aterramos lá, nesse sítio reservado às nossas exclusivas existências. Levitamos. A atmosfera faz lembrar as imagens de alunagens e de como os astronautas ensaiavam coreografias em câmara lenta. Mas a nossa levitação não é em câmara lenta.
Das árvores, uma melodia de perfumes. Os frutos abundantes, em cores garridas, emprestam outros, adocicados, odores. Nunca está frio e nunca está calor. É dia quando nos apetece. Faz-se noite quando o cansaço sussurra aos ouvidos e um gesto espontâneo desce as persianas. Não há relógios. Nem calendários. Não há trabalho nem serventia de férias. Ora pintamos, ora apreciamos o mar lânguido, ou as ondas que cavalgam na sua fúria quando o mar de fundo chega, grandioso, à praia. Ora fazemos poesia. Mas sempre sem planos nem horários.
Dizem que somos párias. Que interessa? Antes cabeças no ar que gente enfadonha e muito encalacrada na seriedade do real.

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