20.4.12

Objeto decorativo


In http://pt.artesanum.com/upload/postal/8/9/1/jarra-30979.jpg
Bonequinha de porcelana. Pechisbeque para enfeitar. Única serventia. Passeava-se, donairosa e irrelevante, continuamente calada, ou apenas com soltura de língua para os comentários banais sobre as coisas banais (afinal, a conversa toda da entourage), ao lado do lobo empertigado. A altivez era toda dele, o glamour desprendia-se da asa frívola que ela, autêntico objeto decorativo, emprestava à função.
O que importava era mostrarem-se. Era a ânsia social, como se os olhos comestíveis fossem cicerones da aceitação. A aspiração social, ó tremenda ilusão dos néscios, ocupava o pensamento diminuído desde o levantar até ao deitar. Coitado, embalado pela vertigem da fama, pelas fotos nas revistas que fermentam o arrivismo, deitava-se convencido das proezas. Era conhecida alguma empreitada que não fossem manobras de bastidores, redes de contactos, favorecimentos que se alimentam numa espiral sem fim? Não. Às vezes, em médicos ou em repartições públicas, perguntavam-lhe a profissão. Das primeiras vezes ainda vacilou antes de oferecer resposta. Agora já estava treinado: “relações públicas”. “Por conta própria”.
A bonequinha de cristal, possuída pelo mesmo dote de arrivismo, era ingrediente do estratagema. Descartável. Logo que aparecesse outra cabeça oca com meio palminho de cara ansiosa por ser conhecida no métier. Um dia, numa vernissage qualquer por onde se passeavam os importantes todos e os que o aspiravam a ser, um empregado de mesa notou a indiferença com que o pechisbeque era mostrado à audiência. Ela brilhava, tinha uma aura diferente. Seria dos cabelos aloirados, longos e curvilíneos, da alvura da pele que contrastava com o carmim deitado sobre os carnudos lábios. Ou dos olhos, verdes e enormes, que hipnotizavam quem neles se detinha.
O patego, envaidecido, julgava que era o chamariz de tanta gente. Metia conversa, à boleia da graciosa mulher que não lhe largava o braço a tiracolo. Eram objetos decorativos um do outro. Os demais, embebidos na estultícia conhecida, serviam-se de fermento aos mais ou menos espalhafatosos objetos decorativos espalhados pela sala. Eram, todos, objetos decorativos.

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