2.4.12

Equinócio

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“(...) Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.” Herberto Hélder, in Poemacto II.
O tempo, a fiança derradeira; ou apenas o jogo de sombras onde se cimentam os sonhos. Uma matéria inteira de sonhos, inerte, talvez a ideia de paredes verticais onde se ocultam os fulgores de uma existência algures. Dizem vozes tiranicamente sabedoras: o tempo amolece a agonia depositada em seu cárcere. Em se debatendo com os dias irremediáveis, eles sopram as areias que escondem a mantilha dos sobressaltos de outrora. Tudo ficava acalmado. O tempo golpeava o sal incinerador nas cicatrizes logo cauterizadas.
Mas os solfejos de uns madraços do sopor levantam ventos que desfiam mais outra tempestade. O mais difícil não é apontar o tempo para o perdão alheio; é quando nem o tempo derrota as angústias que consomem as veias pelas entranhas. Aos outros, atiramos o oráculo do apaziguamento. Mas em cada um de nós, quando olhamos bem por dentro das janelas que ciciam o seu pesar, esbracejam fantasmas que não conseguem ser presas. Murmúrios entoam-se sem hora marcada, a meio de um sono mortificado, a meio de uma conversa mirífica, a meio de um nada qualquer. Os ardis são pretextos estultos, a empreitada complexa que leva a lado algum na cartografia dos sentidos.
O lume na vela, na sua ligeira errância, aplaca os olhares retidos no firmamento. Que anestesiante é a vela, o fio de prumo esvaindo-se da cúpula, misturando-se com uma ténue guarnição de fumo! Os suores da vela escorrem pelo dorso, umas quantas gotas derramadas na base metálica onde se depõe. Neste solilóquio que derrota as afoitezas narcisistas, sobra uma plangência: apontam os olhos ao porvir aplacado para perdoar até quem não merecesse perdão. Tomara tamanha latitude ecoasse na reversão dos perdões ausentes, quando o espelho olha por fora quem o vê pelo lado de dentro.

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