24.1.12

Temos de ser narcisistas? (Entre um módico de modéstia e o apoucamento do indivíduo que há em nós)


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A amiga, em tom de réplica, solta os freios dos decibéis contra o, talvez, picuinhas sermão contra os narcisistas: “e se não gostarmos de nós, quem o faz?
Ainda explicou, com exemplos de personalidades que avivam as cores insuportáveis do narcisismo, a alergia ao género. Bateu à porta errada. Todas as personalidades passadas em desfile caiam-lhe no goto, o que não ajudava ao reconhecimento do opróbrio. Tentou ver na identificação pessoal dela com companhia pouco recomendável uma brecha para disparar as setas todas contra os narcisistas. Não teria aquele enfado ancoragem na pessoal identificação com as personagens arroladas? Não estaria ela a perceber o que era um narcisista? Ao que ela insistiu: “se eu não gostar de mim, se eu não for, por cima de toda a gente, a minha maior fã, quem o será?
Esgotavam-se os argumentos que compunham a retórica alinhavada. Deitou mão ao derradeiro: era embirração pessoal, os narcisistas que enxameiam o mundo, ocupando um lugar desproporcionado à sua tamanha mesquinhez. Quase a capitular, admitia, sem proferir tais palavras, que exibir exemplos que povoam as incomensuráveis vaidades de si mesmos fora um erro. Sem demora, ela atirou-lho à cara: “conhecemos essas personalidades para além da cortina de fumo que ostentam quando são públicas figuras?
Encostado às cordas, a respiração ofegante retirava lucidez ao entendimento. Que transbordou das margens, como se o cérebro fosse tingido pelo sangue vindo de uma hemorragia, quando ela disparou de rajada os tiros certeiros: “não me digas que não te julgas o centro do universo. Não me digas que não ensimesmas. Não me digas que não julgas tudo em redor pela tua pessoal bitola. Não me digas. Que não acredito.
Desamparado, notou uma gota de suor a descer da fronte para o rosto. É o que dá quando elucubrações sofisticadas se desfazem num tremendo nada. Afinal, todos seriam narcisistas – apuraram os sentidos, agora que tinha baixado a guarda e estava, inerte e refletivo, a um canto da sala.

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