7.12.11

Números ímpares


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O sangue nas pedras era parte das lágrimas derramadas. Custara tempo. Custara as ilusões. Oxalá os sonhos não tivessem cedido o passo à chuva que fustigava o corpo.
Puseram-se em fervura as palavras que fermentavam o encantamento. Era como se fossem entoadas pela voz de tenores, um suave sibilar de rouxinol que entrava pelos ouvidos e ia direto ao canto do cérebro que aloja a fábrica das emoções. Os tecidos nervosos convocavam os arrepiares todos. Os olhos marejavam-se com as palavras que ajuramentavam a perfeição. A, todavia, impossível perfeição – e sabiam-na, impossível. Tanta perfeição, tanto encantamento embolsado nas algibeiras onde se depunha o ouro, era para desconfiar. Não há tanta harmonia. Ou de tanto se apinhar harmonia, de tanto se ajuramentar a perfeição, não deram conta que a obra escondia as suas fendas. A doçura começara a coalhar.
Um dia, a alvorada cobriu-se de cores baças. As ideias acotovelavam-se num alçapão recôndito, como se todo o cérebro tivesse escorregado para esse lugar inacessível. O ar parecia irrespirável e a chuva que fustigava o corpo vinha turvada por um veneno qualquer. As mãos apertavam-se e já só sobrava o gelo, como se as mãos fossem penedos imponentes cobertos do gelo de um glaciar. As ruas deixaram de ser lugares conhecidos. Os olhos, desconhecidos. A afoiteza de outrora dava lugar às impregnadas sensações do nada. Interrogado o futuro, mandou dizer que o nada era a ausência esperada.
Às vezes, a bolsa da distância recupera o critério. Um critério que dissolve outro que lhe fora antecessor. A bolsa da distância desata os nós que uma propositada anestesia mantivera em forma de hibernação. Não se renega o encantamento de outrora. Apenas se soergue o desassossego que é encontrar em ruínas o que se julgara obra-prima.
Os números eram ímpares, mas só então deram conta. A tempo.

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