2.11.11

Embuçado


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A identidade coberta pela máscara escura, a covardia entregue no berço do anonimato. Embuçava-se e despachava com valentia os adversários a preceito, os escolhidos a dedo ou os que calhassem em sorte por seu próprio expediente. Quando se não escondia no remanso covarde da alteridade convocava a hipocrisia para a necessária convivência com os outros. Até às pessoas mais chegadas se adestrava com a mesma proficiência hipócrita. Era como um bandarilheiro à solta na arena, atacando a vítima pelo dorso.
Em sua defesa esgrimia argumentos: se habitamos numa selva onde todos se apunhalam à primeira oportunidade, precatava-se. Protegia-se detrás do fingimento. Praticava-o, cada vez com maior esmero, ora quando se não escondia atrás de uma máscara e adulterava o ser para parecer um outro, ora quando se embuçava na agressividade ardilosa. Terçava as armas dos outros com maior destreza. E tudo se compunha na sua costumeira normalidade, as rasteiras pregadas com saliente assiduidade, as palavras que quase sempre queriam significar o seu contrário, as traições que aviltavam a confiança que alguém nele despusera.
E se de tanto sacrificar a confiança alheia foi perdendo companhias de outrora, logo curava de se embuçar para desfraldar sedutora eloquência, atraindo a si – qual aranhiço tecendo letal, viscosa teia – novos futuros mártires. Revolvia as peugadas dos pretéritos que envergonhavam. Era como se houvesse maneira de limpar o tempo pretérito, de repente arpoado com as vestes luminosas da compostura. Usava ardil irresistível: embeiçava, desfilava um rosário de padecimentos de outrora que desatavam a compaixão. Queria lá saber que a comiseração dos outros fosse refinação do ódio. Tudo o que queria era seduzir novos futuros mártires.
Um dia os dados atirados para cima da mesa viraram o jogo. O destino marcou uma encruzilhada fatal. Cruzou-se com alguém que lhe levava a palma em tudo de que se julgara triunfal jogador. Deposto na coroa, reduzido a escombros, ferido pelo rival embestado, seguiria até ao fim dos seus dias como sombra do que fora dantes. Ferido no dorso, lambendo as cicatrizes que nunca mais curavam.
Provou do veneno que dera a provar por tanto tempo.

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