6.10.11

Este outono assassino


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Anda toda a gente contente com o demorado e intempestivo verão que arremeteu pelo outono dentro. Ao menos isso: que a malta ande toda encantada com o destempo de uma estação. Eu, que tenho esta irreprimível pulsão para ser desmancha-prazeres, estou cansado da extemporânea canícula. Mas regozijo-me com a felicidade estampada nas reavivadas cores da populaça que resgatou as toalhas ao armário e voltou a frequentar areias balneares.
Talvez as pessoas queiram uma distração da austeridade em dose cavalar que se anuncia. Talvez desejem válvulas de escape que as façam olvidar, por instantes que seja (neste caso, o agosto faz de conta), a montanha de sacrifícios que vai ser despejada em cima de nós. De repente apetece acreditar na justiça divina, ou em anjos celestiais que corrigem infortúnios terrenos com aclamações meteorológicas que fazem arribar o espírito. Outra vez: ao menos isso. As compensações, quando espreitam por entre a putrefação, massajam os contrafortes condoídos pelas exasperações quotidianas. Oxalá haja destas compensações por diante. Para sermos devedores de gratidão aos fautores da justiça divina (se existisse).
Em contramão, os anjos bondosos não tiveram piedade de suas eminências que discursaram e ouviram discursar nas cerimónias do aniversário da república. A canícula estava a pique e suas eminências, empasteladas na cerimoniosa fatiota com gravata a preceito, suavam as estopinhas enquanto as moleirinhas torravam ao sol que mais parecia algarvio. Já não chegava suas eminências não poderem aproveitar o feriado para atividades lúdicas. Porventura a maralha, carente de justiça divina que se confunde com justiça poética, dissesse: é bem feito; os anjos que descompõem as estações, deixando que o verão se demore dentro do outono ainda infante, são anjos democráticos.
Mas eu, com esta pulsão para ser desmancha-prazeres, padeço com tanto calor. Insulto este verão fora do calendário. Consumo-me de saudades do tempo que faz jus à estação que começa nos fins de setembro. Alguns dirão que o outono plúmbeo, o outono semeador dos primeiros ventos tempestuosos, é um assassínio de caráter. Afeia os rostos, calcina as disposições interiores. Eu digo, ao contrário da maré, que o verão que se apoderou do outono é o assassino feroz. Temperaturas de agosto nos alvores de outubro é coisa que não se faz. Como posso acreditar em justiça divina?

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