22.9.11

Arrumar a casa


In http://4.bp.blogspot.com/_dAF5IqIFfd4/TPOz31ebwpI/AAAAAAAAD1o/En1k1EDJsK4/s400/como_limpar_o_seu_pc.jpg
Podia ser sobre pedras no sapato – aquele cascalho incomodativo que morde na impaciência, aquelas pedras que se entretecem no afivelado espaço entre a peúga e a epiderme cansada dos pés. Podia. Mas vai ser nas austrálias dessas pedras.
O que interessa é revolver os quatro cantos do mundo à cata das coisas belas que fermentam um sorriso. As palavras ditas com emoção, os gestos afáveis, os olhares cúmplices que profetizam palavras subentendidas. Esquadrinhar os alfarrabistas da existência e descobrir o desconhecido, ou redescobrir o outrora visitado com a decantação de umas lentes diferentes. Viajar pelas paragens distantes, ler alfabetos ininteligíveis, embeber, se preciso for, as culturas rudimentares sorvidas nos lugares recônditos, ou as culturas afamadas, urbanas e cosmopolitas.
O que importa é ver nascer a alvorada, um dia atrás do outro. Às vezes, fundir a profunda noite com a luz clara que vem com o dilúculo. Acompanhado, espreitar entre o raiar que desponta e derrota o crepúsculo nascente para fora do horizonte. Receber de um animal as gratificações que as pessoas não sabem oferecer. Cruzar com gente anónima recusando o rosto fechado – o rosto próprio de uma lufa-lufa que se amanha nas apoquentações que se encavalitam nas folhas desgastadas do calendário. Trautear a afabilidade, ensaiar um módico de simpatia que nos faça desembainhar, do formol que o conserva, o fundo bom da espécie. Talvez renegar o pessimismo antropológico, já que tanta desconfiança materializa a pouca confiança de que seremos credores.
E, talvez até, ascetismo. Subir ao alto de um promontório. Aspirar com toda a força dos pulmões o ar fresco bolçado pela montanha tão alta. Fechar os olhos e sentir as pulsões interiores, as convulsões em demanda de interna terapia. Levantar a cabeça aos céus, convocar as almas dos entes queridos já ausentes, e receber respostas às interrogações incessantes. Depois, num ápice, o mergulho corajoso até o corpo perfurar com estridência as fundas águas frias que são o leito onde nidifica a serenidade. A tão cobiçada serenidade. Ao som dos acordes de melodias que evocam paisagens brancas e contrafortes das montanhas basálticas, onde o vento parece que sopra com uma pureza incomparável. Uma pureza curativa.
É tudo isto que importa. O resto, são vestígios inúteis.

Sem comentários: