15.8.11

Virado do avesso


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Ah, a diplomacia! E a cortesia, que ambas rimam com hipocrisia.
Querem que sejamos arquitectos das nossas próprias máscaras. Querem: que sejamos curadores do riso perene, nem que seja com aquele covarde sorriso amarelo que dá cerzidura às cordas do desprazer. Esse sorriso sobrepõe-se às palavras, às muitas palavras que seriam escassas para a revelação dos estados de alma. Os dissidentes, os que mantêm a firmeza e não alinhavam o carnaval dos sentidos, são o alvo do maior desdém.
Há um código de conduta que os seres socializados embeberam como condição da socialização: vestem-se do avesso, mostram por fora a parte curada que despiram das entranhas. Contam-se as vezes em que se é convidado a fazer de conta – uma e outra, e outra mais, os dias todos, os dias inteiros. A certa altura, tanto é o avesso que já nem sabemos quando somos o que fomos ou já nos resignámos à flácida coluna vertebral.
Segredam, quando se intromete uma luz que alquebra a penumbra dos avessos: ninguém alcança o que projecta nos recantos dos sonhos. Os passos contorcidos tropeçam nas pedras salientes que formam vértices pontiagudos, os dolorosos joanetes das ruas que prometem entorses e unhas quebradas. Ninguém é quem se julga. Somos uma imagem congeminada na confluência dos que nos rodeiam. Viramo-nos do avesso para não sermos ilhas a que barco algum queira aportar. No mosaico dos espelhos que se entretecem em suas próprias sombras, somos ardis. A harmonia estaria posta se já ninguém voltasse ao dicionário dos sentidos para resgatar a hermenêutica dos avessos que se entrecruzam.
Os actores não estão nos teatros. São autómatos que desfilam na evanescência do tempo e dos lugares. A cada um, o seu mais alto desconhecimento. Em cada um, um actor. Atrás da parede íngreme, no sítio onde atravessamos o tirocínio da comunidade, desliza a verticalidade de uma dimensão oculta. Onde os equilíbrios precários se vestem do avesso e se tornam ufana harmonia à beira da perfeição. Mas actores. Pueris, encenando a sobriedade dos actos que irrompem com um tremendo nada.

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