18.8.11

O elefante está na loja de porcelanas


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Desastrado. Se a fortuna dos dias ecoasse o diapasão das luas, dir-se-ia que os quadrantes andavam às avessas com a lua dominante. As alvoradas ajoelhavam-se do lado errado da cama e os dias iam tortos pelas horas fora. Às tantas, só queria que as horas andassem mais depressa para sepultar os infortúnios do dia.
Os equívocos atropelando-se uns nos outros. Porventura o leite matinal servido no café estava estragado. As cólicas desarranjavam os pensamentos que apareciam difusos, uma distante nuvem de pó encobrindo as palavras do meio – e o raciocínio emparedado na ilógica, conclusões tiradas em precipitação sem ligação com o que lhes dera origem.
Entrou no metro e esqueceu-se de validar o bilhete. Ó desdita do mundo inteiro tombando-se sobre ele. Naquele dia a distração foi dispendiosa: apareceram os fiscais (e nunca os vira nas muitas viagens de metro). Nem esboçou desculpas. Assumiu o esquecimento e saldou a coima. No fim do almoço, ao dobrar a esquina esbarrou numa anafada velhinha que escorregara no molhado pavimento (e logo em Agosto haveria de chover). Dos dedos da velhinha constavam unhas proeminentes e uma delas enfiou-se na sua vista enquanto os dois se embrulhavam em aparatosa queda no soalho encharcado. O melhor fato que tinha (um luxo a que se dera o direito no mês passado ao recebido umas massas inesperadas) ficou todo rasgado. Sem serventia futura. Ao entardecer, em conversa com o chefe, narrou informação que era segredo que só o chefe não sabia (e que amaldiçoava a sua vida privada). Só ao ver o chefe em pré-apoplexia é que notou no cataclismo que provocara. Depois de jantar, falava com a consorte sobre os temas banais que eram tirocínio do sono, descompôs-se numa inocente frase que afinal foi devastadora (ela passou os cinco dias posteriores sem lhe falar). E nem o sono escapou aos imponderáveis do dia impossível. Um pesadelo medonho, salgado pelo surrealismo, amputou o sono pela metade.
Prometeu-se que no dia seguinte contava todos os passos e media todas as palavras antes de os danos serem irremediáveis. Tinha de aprender a deixar de ser desastrado (e a deixar de nadar nas vicissitudes). 

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