8.8.11

Anzol


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Nas mãos enrugadas depôs-se um anzol. Não tinha uso fazia tempo, a atestar pela camada de ferrugem que o cobria. Andava perdido entre as artes de pesca. Um acaso tirara o anzol da letargia. Naquelas mãos, às mãos periciais que não deixavam nada ao acaso (outro fosse e o anzol coberto de ferrugem logo tinha sido atirado aos desperdícios), o anzol ia ser repescado assim que fosse decapado daquele manto de fuligem.
O pescador pediu meças à paciência. Para não perder tempo com as tarefas principais – e para não enfurecer o patrão por carência de trabalho encomendado – embolsou o anzol e prometeu-lhe tempo quando chegasse a casa, depois de se saciar ao jantar. Esqueceu-se, contudo. O anzol ficou perdido na fundura de um dos bolsos. Embuchado o jantar, o pescador foi derrotado pelo sono enquanto as imagens da televisão o anestesiavam. No dia seguinte, quando acordou quase em atraso e por isso sobressaltado, pegou nas primeiras calças que estavam a jeito. As outras, onde jazia o anzol em prometida faina de recuperação, ficaram ao fundo da cama. A mulher da limpeza haveria de pegar nelas a caminho da lavandaria.
Ainda não era desta. Tudo indicava que o anzol perdesse serventia de vez. O mais certo era que se soltasse do bolso das calças, elas ali amarfanhadas entre a tanta roupa lavada e depois centrifugada com a potência de uma máquina de lavar industrial. Haveria de se perder nas tubagens da máquina, ou escoar-se pelos canos até desaguar no seu leito de morte, à boca de cena do rio onde eram atirados os esgotos.
O anzol resistiu. Arpoara-se ao tecido das calças e regressou ao corpo do pescador. Quando vestiu aquelas calças, dias depois, sentiu uma desconfortável ferroada na coxa. Era o anzol, com o ferrão a espreitar do lado de lá do tecido que protegia o bolso. E antes que o anzol ainda mais enferrujado tivesse o esquecimento como destino, o pescador tirou-o do bolso e pousou-o na mesinha de cabeceira – o estaminé das tarefas pendentes. Prometeu-lhe o brilho resplandecente de outrora.
Nesse dia, quando regressasse às águas à cata de peixe, dir-lhe-ia adeus. O adeus definitivo em conjugação com a liberdade do anzol. 

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