6.7.11

O desejo


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Ardiam as veias nas esquinas dos dias. A combustão, um pedaço de cumplicidade, enxugava as gotículas irradiadas pela fusão dos corpos. Nem nas mais intensas palpitações os corpos esmoreciam. A pele rubra, vertendo o seu incenso, depunha a glória dos sentidos. Havia um dia, dois, sabiam lá quantos dias seguidos, nem sabiam onde a claridade diurna se apartava da sua posse. Diziam: o desejo desembacia os olhos penhorados pelos contratempos.
Passeavam as mãos pelas rugas em cascata. As mãos tropeçavam no suor esbatido que desaguava nos quadris. Os dedos tacteavam a pele frugal enquanto os olhos teimavam, cerrados, o jogo transformado numa equação. Quando os olhos se entreabriam e esbarravam nos outros, abertos como clarões, era como se uma trovoada retemperadora invadisse todos os poros, renovando-os na sua claridade. Convulsões amenas atiravam-se de um lado para o outro, desviando os feixes de luz que espreitavam nss fendas da persiana. A luz do sol intimidava-se na deposição dos corpos ensaiando sua própria coreografia, uma coreografia que sinalizava uma linguagem que só lhes era dada a perceber.
Quando por fim, exangues, se entregavam ao sono, o desejo apenas hibernava. Era um sono alto, profundo, sem o tempo que sacia os sonhos. Se sonhavam, era com o desejo que cortava fundo nos seus corpos avivados no carmim da carne viva. Nos estremecimentos dos sonos em sobressalto, as pernas entrelaçadas. A fusão das peles em alvoroço era o bálsamo que as serenava. Retomavam o sono desfalecido por onde trinavam os pássaros em propícia demanda.
Saíam à rua. O desejo estalava nas sílabas surdas, entendidas como se tratasse de uma telepatia. Era como se tudo em redor estivesse cristalizado na inércia, como se as pessoas à volta fossem estátuas incolores. As veias, se pudessem, saltavam da carne que as aplacava. Os olhares cruzados eram esteios onde o desejo se fundava. Às vezes, um olhar cúmplice desatava um beijo quente no pescoço, os lábios carnudos detendo-se na pele intensamente adocicada, detendo-se como se uns instantes se demorassem na paleta das cores inteiras do arco-íris. Às vezes, também, demoravam-se os silêncios que entoavam as palavras que sabiam dizer sem haver precisão delas.
O desejo era a biblioteca dos sentidos. Contavam dias e horas e minutos quando os dias e as horas e os minutos se embaciavam na ausência. De que valia apressar o tempo? – apregoavam, em ajuramentada promessa, quando a luz dos candeeiros abrasava o torpor dos corpos sentados no frio banco do jardim. Os olhos levantavam-se do chão outra vez e apanhavam os outros olhos no fio do horizonte. E ambos sabiam que esses olhos, em sápida colisão, empunhavam as palavras guardadas no palco escondido do silêncio. As mãos regressavam ao seu altar: as mãos apertadas, quentes, onde encontravam o seu esporão. Um afago no rosto aveludado, o rosto apertando-se contra a mão, e um aluvião tomando conta das veias em incineração primária. Era o que mais contava, deleites reiterados por entre as faúlhas alcatifadas pelas veias cremadas na nata do desejo.
O desejo que não tivesse abcessos. Ditaria o epílogo das suas senescências. 

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