21.6.11

Quando o telefone não toca (2.0)


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Primeiro foram os ministros. A taluda não veio parar às suas mãos. Mantinha a esperança noutra sinecura apetitosa. Secretário de Estado, uma missão qualquer no estrangeiro. Uns dias depois vieram nas páginas dos jornais os nomes dos secretários de Estado. O seu não estava lá. Começou a sentir uma falta de ar própria de quem se meteu com a ansiedade. É que de secretário de Estado para baixo já lhe caíam os parentes à lama.
E o telefone só tocava para dar notícias da gente que menos lhe interessava escutar. Não que desprezasse os amigos, a família, e a muita gente leal que não se cansava de pressagiar um futuro radioso caso tivesse um percentil dos destinos da pátria. Pegava no telefone e convencia-se: “é desta vez, é desta.” Do outro lado estava quem ele não queria ouvir. Alguns interlocutores notavam a tristeza na voz e, aos que eram mais íntimos, desfraldava-se a pergunta, também óbvia: “estás doente?
Quando percebeu que não estava destinada sinecura honrosa, caiu no mapa das ilusões defraudadas. Faziam-lhe uma terrível injustiça. O nome dele viera nos jornais. Até se aproximara do partido que manda no governo, prestando serviços que ajudaram à onda triunfal que cobriu a geografia do país. Alguns dos mais íntimos, que sabiam das expectativas (ou, dir-se-ia, das ambições) cultivadas, e alguns dos habituais seguidores que por ele nutriam uma admiração incondicional (ou, dir-se-ia, teciam para si mesmos uma pequena prebenda caso não ficassem esquecidos no alfobre da ingratidão), advertiram que a aproximação ao partido podia não chegar. Era melhor que esconjurasse a congénita aversão aos partidos. Ser um simples satélite na órbita do partido que ganhasse as eleições podia resultar num tremendo nada. Parecia que adivinhavam.
Os dias seguiam-se e já só havia restolho por distribuir. Esse era para a gente menor, para os aparelhistas que se esgadanham nos corredores onde se jogam as influências ao pé dos figurões. Era uma afronta um lugar de assessor, ou de consultor. Alguns colegas, conhecedores da habilidade para a ciência em que se especializara, diziam que não, que um lugar destes não é desonra. Ele que pensasse bem: os conselheiros peritos num saber qualquer são os pais das políticas. E estes pareceres eram pagos a preço de ouro.
Já não era ao bem-estar material que ia. Os cabelos grisalhos ao espelho agudizavam a ansiedade de todas as manhãs: estava carente de reconhecimento público. Não queria aquele reconhecimento que os seus pares profissionais tributavam. Esse tivera o seu fausto nos anos iniciais. Agora era rotineiro, irrelevante. Pusera a fasquia mais alto. Queria o reconhecimento da pátria inteira. Aparecer nas televisões, um cortejo de jornalistas de microfones e gravadores empunhados à sua frente. Queria andar nas ruas da cidade ao fim-de-semana e ver as pessoas reconhecendo-o com admiração. E por mais que a consorte, contristada com a ideia, vociferasse em pré-apoplexia “não vês que os ministros são desdenhados pela maioria da gente?”, ele estava tão fixado na ideia que nem discernia a realidade debaixo dos seus pés.
Os dias sobrantes e o telefone que teimava em não anunciar a conversa ambicionada desataram uma angústia que o consumia pelas entranhas. Quando encerrou as ambições num quarto escuro, protestou o seu arrependimento. Não cessava de se interrogar, em jeito de autoflagelação: “por que gastei o meu latim com estes ingratos? E por que me dei ao trabalho de votar neles?
Naquele dia, prometeu entregar os seus préstimos aos da oposição.

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