6.6.11

Memórias da picareta falante


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Pelo título não parece, mas esta pretende ser uma análise circunspecta das eleições de ontem.
Para começar, um registo de interesses: votei em quem votei (CDS) depois de engolir quarenta sapos, só para afastar a possibilidade (meio entre o risível e o dantesco) de o anterior primeiro-ministro continuar a sê-lo. Aquele partido está longe, muito longe, de ser a direita em que habito. Foi um voto por aproximação. Um voto – como me custa dizê-lo – útil. Mas quem não muda de hábitos? Até nos hábitos eleitorais, quem não afivela mudanças de comportamentos (tirando da interrogação os comunistas, que são de uma fidelidade canina ao partido)? Uma resposta que se ensaia: há momentos críticos que convocam uma escolha, por mais que não seja uma escolha de óptimos. Era o mal menor.
Continuando o registo de interesses: foi um voto de risco, ou não pusessem as sondagens (que entravam pelos neurónios com uma insistência cansativa) a hipótese de os socialistas recolherem mais votos. Havia a possibilidade de os socialistas se coligarem com o CDS. Foi com o credo na boca que depositei a cruz à frente do símbolo do CDS. Durante o dia, quis-me convencer que todas aquelas sondagens eram um embuste montado para favorecer o axioma do voto útil, a maximização do princípio que resume a utilidade do voto aos dois maiores partidos.
Finalizo o registo de interesses: nestas eleições fiquei moderadamente satisfeito. Não exultei com os vencedores, os que vão ter a responsabilidade de executar o programa da troika. Enchi-me de contentamento por causa dos que perderam. A começar pelos socialistas, que somaram votos correspondentes a uma percentagem (28%) que não foi pressagiada por sondagem nenhuma. O resultado é mais ajustado ao que aconteceria caso este fosse um país normal (por assim dizer). Tanta inabilidade junta, somando-se o elogio da patranha como cometimento maior do primeiro-ministro e da trupe adjacente, teriam, num país normal com gente a preceito, 20% (se tanto). Os socialistas ficaram mais perto da derrota humilhante que mereciam (oito pontos de diferença para os 20%) que dos vencedores (a dez pontos percentuais de diferença). Do mal o menos.
Ainda na conclusão do registo de interesses: a extrema-esquerda chique perdeu metade dos deputados. A prosápia de outrora, quando, ufanos, comemoravam um resultado que os fazia sonhar com o poleiro da governação (caso não fossem geneticamente hostis a tal) foi substituída por uma votação inexpressiva, que pouco passou dos 5%. Bem-vindos de regresso ao lugar dos pequenos partidos. Juntos com os comunistas (aqui incluído o MRPP), recolheram 14%. 14% recusam a austeridade preceituada pela UE e pelo FMI. É expressivo que numa esquina tão difícil do devir, com uma austeridade tão sacrificial, os partidos da extrema-esquerda só consigam recolher 14% do eleitorado (por comparação com 19% em 2009).
Uma interrogação para o final: o que vai acontecer ao deposto primeiro-ministro? Só me interessa por enfatizar a humilhação que se sublima nos traços da sua doentia personalidade. Há nove anos, quando o anterior líder dos socialistas desertou, caiu-lhe no regaço uma honrosa sinecura numa organização internacional que lida com os refugiados. Todavia, o que ficou conhecido como “picareta falante” tinha méritos intelectuais que até os adversários reconheciam. Posso estar enganado, mas àquele que foi empurrado do poleiro por tanta gente (é só somar os votos de todos que não votaram nos socialistas: 78%) não se adivinha futuro radioso.
Paz à alma desta carreira política, um autêntico erro de casting.

2 comentários:

Anónimo disse...

Confesso... estas eleições trouxeram-me duas alegrias:
- O Sócrates foi à vida;
- Tu foste votar;

Em relação à primeira, fica por aí.
Mas em relação à segunda, esta tua atitude é bem capaz de encerrar uma flexibilidade que julgava desaparecida. Parabéns!
Ponte Vasco da Gama

PVM disse...

Eu já tinha ido votar nas europeias e nas autárquicas (2009). Mas depois cansei-me e esqueci-me de ir votar nas presidenciais...
PVM