20.4.11

Radicalismo


In http://helionunes.files.wordpress.com/2007/04/ruinas.jpg
Os despojos tomaram conta do soalho. Caóticos, eram o mostruário dos escombros que já não tinham serventia. As lágrimas podiam ser o enxovalho das ilusões. As lágrimas, as vertidas e em esboço, embaciavam a curvatura dos olhos por onde se decanta a lucidez.
Era o pano de fundo para a devastação que se predizia. Há alturas em que a coragem dos sentidos não pode embotar. Nem capitular diante das mãos trémulas que requestam o refúgio das decisões. Das que se impõem quando já nenhum relógio aceita os adiamentos que perfumam a hipocrisia. Podem doer. Podem revolver tudo desde as entranhas à epiderme, em forma de monstruoso vendaval que tudo descompõe. Mas são uma necessidade sem adiamento.
Jogavam-se as palmas das mãos contra as paredes frias. As paredes onde soçobraram os últimos vestígios do que quer que fosse. As paredes pareciam feitas de um viscoso material, as mãos fundindo-se nelas, marejando os devaneios repletos de inutilidade. Nas paredes frias, dantes incolores, recresciam as gotas de sangue derramadas pelas cicatrizes que voltaram a mostrar o carmim da carne viva. Havia mãos desencontradas, olhares que não se emproavam em uníssono, cores desgarradas a trinarem as melodias desacertadas. Já não era água, nem a pureza de um ar embolsado num unânime arquejar. Já não era nada. Era a agonia de tudo.
Diante dos nadas, ou nos mantemos respeitosamente cabisbaixos na negação de nós mesmos, um esboço de gente, apenas. Ou levita-se a grandeza de fitar o horizonte com a cor dos olhos que em nós anda, sem temor quando o pano do cenário for levantado e desvelar o palco inteiro. A constância dos elementos fertiliza a monotonia onde se dilui o sal da presença. Às dissimulações, o papel de perfunctória sepultura onde todas as frivolidades decaem. Ser refém da solidez que era um embuste, era a traição ao amplexo de sensações amotinadas em asfixiante remoinho. Seria uma traição interior. Uma indesculpável traição.
Quanto mais os dentes rangiam a raiva interior pela admissão do estrépito, mais se levantavam fantasmas que aliciavam a quietude. Numa convulsão tempestuosa, as ondas erguiam-se na ferocidade dos adamastores que ufanavam a barba hirsuta que não ocultava a tremenda ira fervente. O sangue em ebulição caldeava a combustão das veias, quase em ponto de incineração. E a cabeça no limiar de uma implosão, a cabeça que não cerceava o seu latejante pensar, desembainhou as arestas de uma resolução.
Pecaminosos diabretes adejavam nos arredores do pensamento, esbracejando os milhares de arrependimentos que podiam sobejar. A sangue frio, só podia ser a sangue frio. As palavras entoadas em toda a sua violência. Porventura implacáveis, mas imperativas. As palavras que ciciavam a carência das ausências interiores. O que se insinuava por diante eram ruínas, a imagem perfeita da decadência. Os pecaminosos diabretes jazendo, um após o outro, na putrefacção que se juntava aos escombros empoeirados. Derrotados pela frugalidade dos ímpios sentidos que não se comprazem com as muitas léguas de distância até se sentir o odor, por longínquo que seja, da plenitude.
Há quem lhe chame radicalismo. Outros, porventura mais assisados, usam lente diferente e emparelham outro atributo: destemor. E lucidez. 

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