11.4.11

Governo de salvação nacional, uma ova


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Custa-me a entender como podem três gatos assanhados conviver dentro do mesmo saco apertado e escuro. É o que propõe um grupo de respeitáveis senadores da pátria, acolitado por uns outros tantos que aspiram a sê-lo quando os primeiros, por geriatria, deixarem de o ser.
Ao contexto: agora que a ajuda externa está por umas semanas (derrotado o estado de negação de quem a este desastre nos trouxe), temos que negociar as contrapartidas para convencer os financiadores. Decifrando a linguagem, vamos ficar de cócoras perante quem nos vai ajudar. Ao contrário do que possam pensar espíritos mais desavisados, não é humilhação. Humilhante foi a espiral demencial que estragou as contas públicas ao ponto de já quase não haver quem nos empreste dinheiro para satisfazer empréstimos anteriores que se estão quase a vencer.
As condições impostas são boa e má notícia ao mesmo tempo. O lado sombrio corresponde aos sacrifícios impostos pela austeridade severa que aí vem. O lado luminoso está na audácia para forçar as medidas que os de cá, os que apenas se preocupam em salvar as suas carreiras políticas e gerir o calendário de eleições, nunca tiveram a coragem de adoptar. Isto apesar de uns adivinhos da desgraça (com o guru do costume, o Prof. Boaventura, a liderar as tropas) pressagiarem o pior dos mundos.
A coisa até pode ficar mais negra, se for ouvido o clamor comovente dos quarenta e sete signatários de uma espécie de pacto de concórdia entre os partidos. Querem uma grande coligação no governo – o tal saco de gatos apertado e pardacento. Supõe-se que a extrema-esquerda (comunistas somados à extrema-esquerda caviar) fica de fora por genética indisponibilidade. Sobram os partidos que sempre estiveram no governo desde que voltou a haver democracia. Que melhores credenciais podem ser oferecidas a quem, desde lá de fora, fareja a nossa credibilidade?
Ora tudo isto me traz à seguinte interrogação: para que nos deitamos ao incómodo das eleições? A dúvida é saber se os três respeitáveis partidos da concórdia nacional obtêm 80 ou 85% dos votos. E, admito, a dúvida também está em saber por que ordem vão aparecer no concurso eleitoral, talvez para escolher o chefe da banda filarmónica. Quanto ao demais, evitavam-se umas eleições desnecessárias. Assim como assim, parece que o resultado está antedito à partida.
Metem-me impressão estes “consensos alargados”, estes comoventes chamamentos à harmonia entre partidos que não se podem ver uns aos outros. Uma hipocrisia dispensável. Dir-me-ão que quem nos vem ajudar fica sossegado ao dar de caras com um governo de ampla coligação. É como se fosse proibido divergir nestes momentos de urgência pátria. Por isso interrogo outra vez: qual a serventia das próximas eleições?
Se me obrigassem a amesendar todos os dias em companhia desagradável, era tanta a indigestão que depressa ganhava uma úlcera gástrica. Deixo de lado as metáforas e vou directo ao assunto: este clamor dos ilustres senadores é uma aleivosia. Uma aleivosia contra a democracia que, como eles devem saber, supõe a divergência e uma praça pública para discutir divergências. Parece que não aprendemos nada com os quarenta e oito anos de salazarismo e da castradora união nacional que nos legou. Até hoje, ao que parece.

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