28.12.10

“Eleições críticas”? (Da fina análise política)


In http://aspirinab.com/ficheiros/palacio-belem-4.jpg
O meu colega André Freire, que é membro da comissão política do candidato Alegre, estendia ontem no Público um elaborado raciocínio sobre a importância das próximas eleições presidenciais. O contraponto era feito entre o candidato que ele apoia e o que vai ganhar, o actual inquilino do palácio.
As eleições serão críticas: primeiro, porque Cavaco não sabe exercer o papel de moderador (e ainda mais porque Freire já dá por adquirido que o PSD vai para o governo sem demora – faltará apenas consumar o funeral do já cadavérico primeiro-ministro); e, segundo, porque Cavaco é muito sensível aos interesses do grande capital que quer desmantelar o que ainda sobra do “Estado social”. Pelo meio, assegura a habitual superioridade moral das esquerdas sobre “a direita” e a inevitabilidade do “Estado social” – o único sistema que protege os desvalidos contra a soberba do grande capital.
Começo por admitir que é um prazer ler André Freire. Se algum dia nos encontrarmos – num congresso, à mesa de um restaurante – haveremos ao menos de concordar na discordância. Mas aposto que a discussão seria intelectualmente estimulante. Contudo, incomoda-me o desfile de imperativos categóricos. Talvez me meta impressão porque tenho andado numa peregrinação interior que faz levantar muitas interrogações para as quais não sei encontrar respostas categóricas. Cada interrogação leva a mais interrogações que permanecem em aberto. Daí que os imperativos categóricos, venham de onde vierem, são sal em cima de uma ferida por cicatrizar.
Talvez Freire, colegas e discípulos façam uma interpretação dos tempos actuais que fermentam conclusões a seu ver indesmentíveis. A crise terá sido a sua tábua de salvação: lá se põem em bicos de pés e reivindicam razão a destempo, apontando o dedo aos excessos do capitalismo e à desregulação dos mercados. O problema está nas conclusões tão lapidares. Não haverá interrogações escondidas que fariam André Freire & companhia moderar os imperativos categóricos?
Estas eleições, serão assim tão “críticas”? Ora, quando se alega o estatuto “crítico” de algo, é como se um doente estivesse com dores excruciantes que reclamam uma ida urgente ao hospital. É onde desalinho de Freire. Estas eleições são uma inutilidade. Nem vale a pena recordar o papel do presidente da república, pouco mais do que insignificante. Pegando num argumento de André Freire, a história do primeiro mandato de Cavaco está aí para o confirmar: a condescendência com o cortejo de disparates dos governos PS. (Apetece fazer uma pergunta que nos levaria pela história contrafactual: se houvesse um governo PSD tão desastrado, seria um presidente socialista tão complacente como o foi Cavaco?)
A segunda discordância vem das opostas filiações ideológicas. Como sou liberal (sem ser capitalista: não sou abastado, nem accionista de empresas), entre as interrogações plangentes surge à cabeça esta: o “Estado social” não é o coveiro que nos empurra para o fundo da fossa (leia-se, da crise)? Com outra agravante: um liberal que se preze não vota em Cavaco, que é um keynesiano dos quatro costados. Nem lhe reconhece qualidades para destruir o que ainda muito sobra do mal-afortunado “Estado social”. O que arruína a argumentação de Freire. Nem Cavaco é um bicho papão do “Estado social”, nem os seus poderes consentem que o seja mesmo que o quisesse ser.
Fiquei sem perceber se o Freire que escreveu ontem no Público era o Freire (excelente) politólogo, ou o Freire envergando a fatiota de apoiante do candidato Alegre. Parece-me que o segundo Freire compromete o primeiro. 

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