28.10.10

Yes, you can


In http://comunidade.sol.pt/photos/tordesilhas/images/317146/original.aspx
Montanhas escarpadas. Tão inclinadas que convidam à resignação. Nos vales, rios voluptuosos, assustadoramente vertiginosos. Com as águas a tropeçarem em si mesmas, em golpes desassisados que denunciam a demência de quem as atravessar. Ou um deserto monótono, agreste, com as areias tórridas a tisnarem a pele por mais que ela se proteja. E há as contrariedades fumigadas pelas pessoas em redor. As palavras que nunca deviam ter sido ditas. Como se fossem alimento envenenado, o cianeto contido nas palavras que jamais se perdem no armário onde estão guardadas. As memórias.
Podem as adversidades jogar-se todas ao mesmo tempo. Como se os arquitectos que têm os lápis do destino na mão compusessem vários infortúnios que se entoam ao mesmo tempo. O corpo desanima. Arqueia-se sobre si mesmo, a renúncia a prometer-se, desleal. Apetece fugir. Apetece um longo sono em demanda dos sonhos que sejam a mera ilusão de um refúgio. As cores perdem significado, todas liquidadas na monocromia que se afivela em múltiplas tonalidades de cinzento. Tudo perde sabor. E a coreografia dos odores é uma dança estática, os bailarinos estáticos em cima do palco já com as luzes apagadas. Os dedos tacteiam as coisas e só lhes fala a insensibilidade.
O desalento sai à boca de cena através de uma fonte envenenada. Todos os passos são um sussurro insuportavelmente ruidoso, os pés desmaiados pelas insistentes pedras pontiagudas. A subida à montanha escarpada é uma canseira que se não pode imaginar. As forças, já exangues, estão no limiar de um fatal precipício. Sobressalta-se o coração acelerado com os medonhos penhascos que se acercam do estreito caminho que sobe pela montanha. Às vezes, os pés têm que se compor num equilíbrio circense, quando o quase imperceptível caminho se estreita tanto que mal o corpo cabe. Se o vento soprasse com uma fúria rebelde, o corpo abdicava do equilíbrio. E o precipício mesmo ali.
Mas não podes arquear o corpo diante das contrariedades. De que serve a pose sofrida senão para arrebanhar a compaixão que tanto te incomoda? As adversidades, todas somadas, davam para encher sete mares. E depois? São os queixumes que as resolvem, como se aparecesse um Aladino a insinuar as curas? E de nada serve continuares empenhado em resgatar da anterioridade do tempo as releituras desse passado. Páginas dobradas não podem ser tiradas à sua pose estática. Tosses com o pó amarelecido de cada vez que teimosamente resgatas páginas bafientas, cheias de poeira.  
Só há um segredo: faz como os forcados que passeiam a valentia nas arenas. Aos contratempos, olha-os com a frontalidade de uns olhos bem abertos. Com os teus olhos em pose desafiante. Não há revés que não tenha remédio. Podem demorar os remédios a actuar. Pior: pode tardar a demanda do bálsamo. E quanto mais tempo o corpo se entregar ao pesar, enquanto andar aos trambolhões entre as quatro paredes e as mágoas forem a maior consumição, nem sequer te é dado a encontrar o fármaco que cura as contrariedades que tanto entristecem. Se embuçares as nuvens que se acastelam, podes estar certo que o sol não há-de romper entre a densa camada de nuvens. Tu és o arrumador das nuvens.
Às vezes, a resignação incomoda o discernimento. Entre o desarrumo das ideias, parece que a lucidez se confunde com renúncia. Eis o maior desafio pela frente: derrota essa letargia que ardilosamente se instala, essa letargia que te consome, que te faz ser o que não és. E até é aceitável que desconfies da capacidade para saíres vitorioso dessa demanda. Interioriza: tu podes. E tu consegues. 

Sem comentários: