16.7.10

Pedra no sapato


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A forma inorgânica da pedra no rim. Admito que esta doa muito mais. É um corpo estranho que navega por dentro dos canais biliares, cortando-os com uma dor dilacerante. As pedras que trazemos no sapato são outro tipo de cólica. Podem ser pedrinhas pequenas que saltam do caminho, à passagem dos desastrados pés, e se alojam entre as peúgas e a palmilha do sapato. Ou pedras que se incrustam nas reentrâncias da sola dos sapatos, incomodando o andar e o ouvido com aquele som granítico a limar o chão que os sapatos calcam.
Também temos as metafóricas pedras no sapato. As imagens, as palavras, as implausíveis ideias, certos actos, tudo a encharcar o cérebro de poluição mental. Ou simplesmente a irritante voz de uma irritante personagem numa estação de rádio. Ou só a fotografia que exala a pesporrência desta personagem, ou aquele cabotino figurão. Três exemplos que vêm da actualidade recente: Portas queria uma espécie de “governo de salvação nacional”; a guerrinha de alecrim e manjerona entre os partidos Dupont & Dupont (os parceiros do bloco central); alguns economistas que anunciam o eclipse dos salários como pacote de salvação nacional.
Primeiro acto: Portas tirou um coelho da cartola. Convidou o esgotado primeiro-ministro a abandonar o cargo, e pediu ao PS para indicar outro para chefe de um novo governo que seria uma enorme coligação entre o PS, o PSD e o CDS. Sabemos que o panorama é sombrio. Que, se não nos pomos a pau, ainda vamos ser a Grécia que se segue. Não sei se foi o temor do apocalipse que levou Portas a esta espantosa proposta. O que me parece é que Portas perdeu as qualidades de analista político dos tempos em que era director do Independente. Parece um Cavaco, em versão mais rebelde. Só faltava mais um a dar para o peditório do “largo consenso” cinzelado por imperativos patrióticos. Continuo a acreditar que as soluções se encontram na comparação de propostas rivais. Tentar meter rios diferentes à força no mesmo caudal dá mau resultado. Era o que mais faltava uma versão requentada da união nacional.
Segundo acto: já com a bússola toda desafinada, a malta do PS e do governo anda em total desatino. Agora lembraram-se (aposto que por inspiração do ideólogo de serviço, o ministro da defesa que resvala para o papel de ministro da propaganda) de colar o PSD ora ao “neoliberalismo” ora ao “ultraliberalismo” – conforme os dias e os humores. Faz lembrar as baratas tontas acossadas por humanos vingativos, tontas quando os humanos as tentam aniquilar. A fuga errante é a sina do desespero de quem tenta sobreviver. Às vezes, vão-se meter na boca do lobo. As medidas de austeridade que o governo foi forçado a aplicar não são o receituário do tal “neoliberalismo” que denunciam no PSD? O que mais me custa, como simpatizante do “ultraliberalismo”, é ver alguém a colar um partido que é adorador da intervenção do Estado (o PSD) ao “ultraliberalismo”. A malta do PS que esteja sossegada. Nem assim me vão empurrar para o voto no PSD.
Terceiro acto: muitos economistas, cá dentro e de renome internacional, sentenciaram: esta terra só tem salvação se houver coragem para cortar salários. O corte varia com as cabeças que propõem a ideia: 10%, 20%, até 30%. Alguns dos que sugerem a medida radical não ambicionam a sinecura de ministro das finanças. Outros que já tiveram o cargo também anunciam que só assim sairemos do lodaçal. Estes é que me causam espécie. Quando por lá andaram, só aplicaram as medidas de meias-tintas que não comprometessem a agenda política (a reeleição) do partido que lá os pôs. Agora que sabem que não voltarão a ter o gabinete mais importante no ministério, enchem-se de coragem para ditar as medidas que, no seu íntimo, sabem que não iriam aplicar se se desse a improbabilidade de voltarem a ser ministro das finanças.
Faz-me lembrar aqueles valentões que dizem “agarrem-me, senão eu bato-lhe”.

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