3.5.10

Um dia do trabalhador a sério


In http://img.youtube.com/vi/4nSn6DMXep0/0.jpg
Mais um primeiro de Maio. As habituais manifestações sindicais. Os pregões inventivos de sindicalistas que fariam furor na publicidade, sempre tão carente de tiradas bombásticas, tão carente de novos Alexandres O’Neill. E depois a caminhada avenida abaixo, num cortejo que protesta contra a interminável opressão dos trabalhadores, contra a interminável desigualdade de riqueza. Se o sonho dos sindicatos se cumprisse – que é tudo aquilo por que “lutam” – deixariam de vir à rua no primeiro de Maio?
Este é um feriado atado a uma perplexidade: se neste feriado se celebra o dia do trabalhador, o trabalhador devia estar a fazer aquilo que o identifica – a trabalhar. Era um feriado a abater na longa colecção de feriados que esta terra tem para oferecer...aos trabalhadores. Por aqui se prova que os sindicatos estão enganados quando ensaiam a cantilena do costume. Ao contrário, os trabalhadores até têm direito a passear o ócio na infindável colecção de feriados que as autoridades, sempre condescendentes com os “direitos dos mais fracos”, consentem.
Regresso à ideia: se o que se festeja é o dia de quem trabalha, o que menos faz sentido é que os trabalhadores não trabalhem neste dia. Na véspera do feriado, foram divulgados os últimos dados do desemprego. Por cá já vai em 10,5%. Passamos a fronteira e esbarramos numa taxa de desemprego de 20%. Vamos pôr cores nestes números: quando nos cruzamos com cinco espanhóis, um deles está desempregado. Como a crise está teimosa e a economia não levanta voo, o mal maior é a falta de trabalho. (A não ser que também se provem as profecias dos endemoninhados liberais, quando avisavam que o subsídio de desemprego era um incentivo ao dito cujo.)
O primeiro de Maio, o tradicional dia do trabalhador, ganha uma espessura anacrónica. Os trabalhadores ganham um dia de ócio quando tudo o que as economias precisam é de haver quem dê à manivela nas alavancas que empurram a economia para cima. Mas o estafado primeiro de Maio proíbe que os trabalhadores deitem mãos à obra. É melhor a economia continuar aprisionada à anemia de que não se consegue libertar. É melhor haver mais gente desempregada a carpir lágrimas nos cortejos do primeiro de Maio onde se aproveita para trazer lutas partidárias para a avenida.
Há politólogos que defendem com unhas e dentes o papel dos sindicatos. Argumentam que são um ingrediente do pluralismo que é património genético da democracia. Sem os sindicatos, os trabalhadores seriam ainda mais a parte fraca da relação laboral. Nestes tempos de insidiosa liberalização, com a cedência das autoridades aos interesses do “grande capital”, é imperativo haver sindicatos activos e vigilantes, denunciando os atropelos aos “direitos adquiridos” que os obscenos patrões pretendem só para embolsarem mais lucros – os detestáveis lucros que agravam as desigualdades entre quem trabalha e quem se enriquece com o trabalho dos outros. Parece-me o contrário: os tempos mudaram e as lutas de outrora, com a retórica retirada de um relicário que pertence a outros tempos, fragilizam as posições dos trabalhadores. E se às vezes percebo que os sindicatos tenham que existir – quando se deparam com patrões burros e avarentos, que os há e muito – a sua considerável influência e a incapacidade para perceberem que os tempos mudam fazem dos sindicatos adversários de quem se julga defenderem.
No dia do trabalhador, o trabalhador devia trabalhar. É a lógica das palavras que assim manda: os trabalhadores são, por definição, os que trabalham. (Ou será que o não são?) Festejar o dia do trabalhador com um dia de folga com chancela oficial é contra-natura: era como se, no natal, o pai natal metesse uma folga.

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