7.4.10

A estética do primeiro


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Voltamos às casinhas “desenhadas” por sua excelência o primeiro-ministro quando era deputado. Está posto um pé-de-vento porque vasculharam o passado da personagem e descobriram que, ao assinar os vinte e um projectos das casinhas, o então deputado descasou-se da ética (republicana – diria, em pose declamatória, o poeta candidato à presidência da república que os socialistas não decidem se apoiam ou não).
As pessoas sérias preocupam-se com o senhor primeiro-ministro ser homem de andar de candeias às avessas com a ética. O senhor primeiro-ministro, com a arrogância habitual misturada com uma fraca capacidade de encaixe das críticas, vai carpindo lágrimas para que seja olhado como o perseguido – como se fosse proibido aos jornalistas mergulhar no seu passado quando dele emergem episódios lamacentos. Pela parte que me toca, estou-me nas tintas para as tibiezas éticas do homem. E sem paciência para aturar a ironia de mau gosto (ele, que julgava fazer fina ironia) – não lembra ao diabo convidar os jornalistas do Público a sondarem o que o tipo andou a fazer nas décadas de sessenta e setenta. É aqui que está o busílis: este tipo tem padrões estéticos que metem medo ao susto.
Já tínhamos conhecimento de fotografias de algumas das casinhas “projectadas” pelo emergente político que também era “engenheiro técnico” à altura. O que antes era uma amostra é agora mostrado em toda a sua pujança. Os “projectos” que resultaram em abortos arquitectónicos. É o que dá quando nesta terra o que devia ser feito por arquitectos também pode passar pelos estiradores de engenheiros técnicos, “quase engenheiros” e engenheiros civis. O resto é explicado pelo sentido estético das gentes.
Alguém (que não se cansa de desmultiplicar panegíricos ao senhor primeiro-ministro) protesta que nem todos temos olho certeiro para o fino traço de moradias merecedoras de prémios em certames de arquitectura. O povo beirão, humilde e pouco endinheirado, contenta-se com modestas casinhas de recorte tipicamente lusitano. Que nós, elitistas emproados à condição de juízes da estética, os achemos parolos é sintomático achaque de um pouco democrático elitismo. Nisso, o “quase engenheiro” revelou toda a sua sagacidade – diria, a antecipação do que aconteceria mais tarde, pois estava escrito nas estrelas que ele, predestinado, tomaria o leme da pátria nas mãos como lídimo representante do “sentir popular”. Pelos vistos, nós, os tais das elites, é que estamos a ver mal o assunto: os parolos querem casinhas parolas. O projectista faz-lhes a vontade.
Eu cá repito isto: já não quero saber se o tipo andou a atropelar a ética ou não. Prefiro olhar pelo ângulo da estética. Como revelação da têmpera do tipo. (E tratá-lo assim, com desdém, só para imaginar que se alguma vez lesse um texto destes o tipo ruborizava de raiva só por saber que alguém tinha a ousadia de o apoucar desta forma.) Num dos vários textos que, contrariado, dediquei à figura, descobri que ele é um labrego disfarçado num fato Armani. Ao passar os olhos pelos abortos arquitectónicos que saíram do traço de sua excelência mais me convenço do diagnóstico. É por perceber como fica abespinhado quando alguém lhe atira críticas aos olhos, por aquela desastrada ironia que deixa à mostra indigência intelectual, que prefiro decantar a grotesca estética e deixar para segundas núpcias a ética da personagem. Até porque, como sabemos, a ética anda pelas ruas da amargura e é uma bitola muito relativa, muito confundida com a atroz moralidade.
Estamos nas mãos de um labrego sem remédio. Costuma-se dizer: o pior dos ignorantes é aquele que não percebe que o é e ainda se faz passar por autoridade intelectual. Por analogia, o pior dos labregos é aquele que se faz passar por gente de fino recorte estético quando, raspada a fina camada de verniz, fica à mostra o labrego que nasceu e nunca deixará de ser. A inestética é genética. E grotesca, como os abortos arquitectónicos da lavra de sua excelência.

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