13.1.10

Chamam-lhe uma “história de amor”; eu chamo-lhe outra coisa



É o escândalo do momento: a consorte do primeiro-ministro da Irlanda do Norte andava metida com um jovem. Para acrescentar lenha ao ignóbil, o escolhido era filho de um talhante. O escândalo não fica por aqui, pois sobre a senhora concentram-se os holofotes destinados aos deputados, condição que adiciona à de consorte do primeiro-ministro. E, para coroar o alarido, a D. Iris Robertson terá usado dinheiros públicos para ajudar o – imagina-se – pujante amante a montar um negócio.

Confesso a admiração por estas historietas de cordel que envolvem a classe política. Quando os actores são gente de conservadora estirpe (o casal de políticos pertence ao partido católico), a história ganha um apetite suplementar. Aos que se lembrarem de invocar os costumes conservadores dos católicos da Irlanda do Norte para estranharem o comportamento da D. Iris, recordo que nas ilhas britânicas vai uma distância enorme entre os costumes proclamados e os pecadilhos em que até os sacerdotes da moralidade caem com uma estrondosa frequência. De uma vez por todas, não é por aí.

Não sei se diga, puxando a brasa à sardinha dos adágios populares, que "no melhor pano cai a nódoa". Mas quem está livre de ser atraiçoado pelas demoníacas hormonas aos saltos? Dá-se o caso de o casal ser tão mediático, duplamente mediático pelas sinecuras que ambos ocupam (verbo no passado: o primeiro-ministro já o deixou de ser). Uma infidelidade é mais imperdoável porque foi a senhora deputada a praticá-la? A infidelidade dá direito a lapidação pública à adúltera só porque cresceram adereços pontiagudos na cabeça de uma figura de proa das instituições locais? Descontem-se os exageros próprios da comunicação social sedenta de histórias escandalosas; que diferença existe entre esta novela mexicana e o adultério cometido por qualquer anónima mulher?

Mas que a história é deliciosa, lá isso é. Uma mulher já entrada na quinta década de vida caída de "amores" (já explico as aspas) por um fogoso rapaz que acabava de sair das fraldas da adolescência. As especulações são devidas: seria o primeiro-ministro incapaz da função (não, como é óbvio, da função política para a qual tinha sido escolhido…)? Terá a D. Iris, insatisfeita com os pouco diligentes dotes do consorte, procurado alguém que lhe satisfizesse a libido? Podíamos ir mais longe e especular se a senhora deputada não é ninfomaníaca, mas não convém formular a pergunta sob pena de escorregar para a brejeirice.

Com frontalidade: eu acho bem que a D. Iris se tenha refugiado nas delícias do possante amante. Se o primeiro-ministro estava pouco disponível para os "deveres conjugais", quem a censura por não conseguir resistir aos lascivos apelos interiores? Nota-se alguma perplexidade geral com a notícia, contudo. Talvez porque quem foi apanhado nos lençóis do adultério foi uma mulher, e ainda por cima figura pública. Sempre me meteu espécie aquela folgazona retórica do marialva macho latino que se ufana da colecção de mulheres em que foi debicando, sem admitir que a consorte possa retribuir a delicadeza. Por uma vez que fosse, teria que ir de braço dado com as feministas…

Justifiquem-se as aspas que enfeitavam a palavra "amores" lá atrás: acho enternecedor – ou então irónico, ou então apenas ingénuo, depende da lente que se ponha – que um jornalista qualquer tenha escrito que esta era uma história de amor. Aposto que foi uma jornalista, pois as mulheres são mais atreitas a histórias românticas (e lá me separei das feministas outra vez…). A também fogosa (continuo a especular) D. Iris já mostrou tudo, quando escolheu para amante um rapaz trinta e nove anos mais novo.

Há quem lhe chame amor. Os outros, mais terra a terra, preferimos chamar outra coisa: hormonas aos saltos. Legitimamente, que fique uma vez mais registado. Entendo que a jornalista, com uma lágrima ao canto do olho, tenha confundido os conceitos. A generosidade da senhora deputada prestava-se a essa confusão. Ela ajudou o amante a montar um negócio. No fundo, uma contrapartida directa dos serviços prestados pelo diligente amante. E até o verbo – montar – não é de todo inocente.

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