13.11.09

O bigode auricular do presidente do supremo tribunal de justiça


Há cromos. Tenho que me explicar: personalidades públicas que ficavam mesmo a jeito do traço de caricaturistas afamados. Há nestes cromos uma conjugação de traços físicos que fazem as delícias dos caricaturistas. Saliências e protuberâncias, sinais distintivos, umas sobrancelhas avantajadas, orelhas de abano, um penteado inestético, um queixo descaído ou umas faces rosadas, os olhos compungidos a clamarem por piedade sem se saber por que razão se há-de ter piedade pela figura. Ou Noronha do Nascimento. (Que ontem voltou a ser eleito para presidente do supremo tribunal de justiça.)

Espero que a impertinência não me traga problemas. É que o presidente do supremo tribunal de justiça (de agora em diante abreviado para "supremo") é a quarta figura da hierarquia do Estado (à frente do presidente do tribunal constitucional!). Impõe-se respeitinho, pois. E a avaliar pela prosápia e pelo papo inchado do presidente do supremo, percebe-se que interiorizou a seriedade da função e a solenidade da sinecura.

Na paisagem de figuras que gravitam na atmosfera pública, há duas que me enchem as medidas se tivesse queda para esboçar os traços de caricaturas: o presidente do supremo e o futuro líder dos socialistas, o sempre jovem "Tozé" Seguro. Por hoje, deste não vou fazer menção – a não ser deixar uma pista, para memória futura, do que seria a sua caricatura: aquele ar de eterno bebé chorão, como se fosse a maior vítima injustiçada de um mundo cruel, metido dentro de um babygrow e com chupeta na boca.

O presidente do supremo é a caricatura em pessoa. O melhor dos caricaturistas seria aquele que, depois de muito reflectir sobre o traço necessário para desenhar Noronha, acabasse por oferecer à audiência a fotografia do senhor presidente do supremo como a sua caricatura acabada. Todavia, o presidente do supremo já andava à frente do tempo há muitos anos. Ainda era o sindicalista dos juízes e já me recordo daquela barbicha que seria popularizada, anos mais tarde, por esses ícones da estética que são os futebolistas. A barbicha farfalhuda destaca-se por emprestar uma proporção desfasada à queixada do presidente do supremo. (Ou pode dar-se o caso da barbicha disfarçar uma protuberância que seria desnudada caso as pilosidades não a cobrissem.) E se a caricatura, por milagre da tecnologia, pudesse vir adicionada de som que reproduzisse a voz ou escorregadelas semânticas e intelectuais dos caricaturados, Noronha levava, de vez, a palma da figura pública mais propensa à caricatura.

Ontem, porém, uma fotografia em grande plano do presidente do supremo encheu-me as medidas. Sua excelência foi entrevistado no jornal i. A fotografia em grande plano apanhava-o de perfil. Parecia que o fotógrafo, porventura uma pessoa com um notável sentido de observação, tinha reparado no que a fotografia quis destacar: uma floresta de pilosidades semeadas no pavilhão auricular do presidente do supremo. Logo me ocorreu uma ideia deliciosa para a caricatura do presidente do supremo. É que, quase septuagenário, a calvície tomou conta do couro cabeludo. Com o tempo, a matéria capilar do presidente do supremo foi escorregando para as orelhas. Cá está a ideia para a caricatura: um desenho que pusesse em destaque os abundantes tufos não filiformes que obstruem a cavidade auricular. Na caricatura haveria mais cabelo nas orelhas do que na cabeça.

De repente lembrei-me de ter lido uma recensão sobre um best-seller da literatura doméstica – a biografia da ex-consorte do presidente da agremiação futebolística regional que, diziam escutas telefónicas entretanto anuladas, era generoso com a vida sexual dos árbitros que apitavam os jogos da sua equipa. Nessa biografia, entre carradas de lamentáveis lavagens de roupa suja (como se tivéssemos interesse em ficar por dentro da intimidade do mediático casal que um dia foi de visita ao Papa – ao verdadeiro Papa), a ex-consorte confessava que o então marido adorava que ela lhe retirasse, com a ajuda de uma pinça, os excessos capilares que desfeavam as orelhas.

Das três, uma: ou o presidente do supremo, absorvido pelas decerto trabalhosas tarefas e pela importância institucional do cargo, não teve oportunidade de se enriquecer culturalmente com a pérola de literatura que acabo de mencionar, ou a cônjuge do senhor presidente do supremo não está virada para a paciente eliminação das abundâncias capilares no pavilhão auricular do marido, ou este não tem espelhos em casa.

1 comentário:

Milu disse...

Aquele ninho nas orelhas é sintomático do mais puro desleixo, se todo o corpo deve de ser objecto de cuidados quanto mais as orelhas que andam à vista de todos. Li uma vez uma teoria que defendia, que a calvície nos homens resulta não só do factor hereditário como também do factor hormonal. O efeito da hormona testosterona que é abundante no homem, causaria a queda de cabelo na cabeça ao mesmo tempo que incentivaria a proliferação abundante de pêlos pelo corpo e nalguns sítios desusados. Fiquei confusa! Porque assim sendo, quanto mais velho e peludo fosse o homem mais viril teria de ser, tendo em conta os altos valores da hormona testosterona! Mas o que acontece na realidade é precisamente o contrário! Com o aumento da idade perdem-se qualidades e ganham-se outras, é certo, a pilosidade é uma delas!

Quando referiu a consorte que não é atenciosa ao ponto de cuidar das orelhas do marido lembrei-me de todas as vezes em que me cruzei com casais cujo marido exala um cheiro nauseabundo de transpiração retardada, isto é, do dia anterior. Fico escandalizada, não com o homem, mas com a sua mulher que é capaz de dormir e de se passear com o seu mal-cheiroso marido, sem que isso a incomode. Porque não lhe incute o gosto pelo asseio preparando-lhe uns deliciosos banhos, por exemplo? No fundo, tudo se aprende, até a ser asseado.