6.10.09

O Outono já não é como dantes



Era o meio da tarde do quinto dia do mês outonal de Outubro. Pouco outonal mês: as nuvens carregadas anunciavam chuva, mas o termómetro lia vinte e cinco graus. Um ar carregado de humidade, quase como se fosse aquela humidade tropical que ultimamente migrou a norte quando o calendário convencionou que o Outono se apoderou do lugar do Verão.

Se por aqui habitassem lugares-comuns do discurso politicamente correcto, ocasião ideal para discorrer sobre os efeitos maléficos do aquecimento global. De caminho, atirava umas pedras ao capitalismo e aos seus piores intérpretes – uns tipos gulosos que só têm olhos para o lucro e que fazem tudo o que for preciso para se embriagarem com a sua ganância. Tudo, até destruírem o planeta que habitam. Desde que li Björn Lomborg (em "The Skeptical Environmentalist") denunciar as manipulações do histerismo ambientalista, passei a desconfiar dos que militam na causa ambientalista – sejam verdes genuínos, verdes por fora e vermelhos por dentro, ou políticos oportunistas que se agarraram à causa para retomarem a ribalta. Para que conste: não sou insensível à protecção do meio ambiente. Posso não engrossar o exército de utentes de transportes públicos (por comodismo), mas tenho outros hábitos que nasceram com alguma educação ambiental. Mas não dou para o peditório do histerismo ambientalista. A conversa sobre o Outono que se recusa a trazer o frio não vem a talho de foice das alterações climatéricas. Por sinal, até é isso que quero explorar; mas sem a carga politizada que normalmente apascenta o assunto.

Vou ao baú das recordações: lá atrás no tempo, mal começava Outubro os agasalhos saíam da hibernação do armário para que tinham sido atirados durante a estação quente. Ainda tenho essas recordações bem vivas, pois era quando a escola começava pelos primeiros dias de Outubro. Aliás, sempre tive a mania de emparelhar certos pares de palavras por julgar que o emparelhamento tinha um propósito maquinal. Fazia essa associação entre Outubro e Outono (quando não gostava do Outono porque era sinónimo de início das aulas – a preguiça juvenil). Os primeiros dias que o calendário convencionara serem outonais – os últimos nove dias de Setembro – limitavam-se a varrer o restolho da estação estival. Era o Verão a passar a estafeta ao Outono. Um Outono ainda tímido, a romper a custo a demorada canícula que nem é tanta no norte espraiado defronte do Atlântico.

Do Outono, do Outono a que me habituei desde criança, só restam os vestígios botânicos. As folhas caducas que se avermelharam nos ramos das árvores em participada decadência, antes de se desprenderem num voo coreografado pelo vento até comporem uma cama que esconde o chão. Desse Outono ainda há. Mas já não os kispos (em moda na minha adolescência) que agasalhavam os corpos nos primeiros dias de vento fresco e húmido que encerravam, por fim, a estação estival. A tarde de ontem estava escura, diria, outonal. Se não fosse o vento com odor tropical que soprava a chuva que ia molhar a qualquer momento. Ando para aqui em manga curta, seis dias entrados em Outubro, quando há uns anos só saía à rua enchumaçado por um kispo.

Definitivamente, não vou entrar na ladainha das alterações do clima. Possivelmente o Outono adiado é expressão dos novos humores do clima, das temperaturas fora de época que visitam lugares que, pelos registos históricos da meteorologia, não estavam habituados a esses humores. Deve ser isso: como acontece connosco, o clima muda de humor. Quer novos hábitos, farto da rotina sedimentada nas estatísticas coleccionadas através das décadas. O clima migra para outras paragens. É democrático, generoso. Destrói a rotina atmosférica que já cansava as pessoas e um lugar.

Dou conta que estou dividido entre a nostalgia de um Outono fresco, chuvoso, por vezes tempestuoso e os ventos diferentes soprados por um clima em mutação. Ou nem nada disso: apenas o cansaço das temperaturas estivais que agora penetram na carne de Outubro e adiam o começo do Outono. Terceira hipótese: à falta de tema, "conversa meteorológica" (daquela que as pessoas metem quando não sabem o que dizer: "então, hoje está um calor a destempo, não é?").

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