18.6.09

Isto não é uma defesa de Berlusconi


Que não tem defesa possível tão patética personagem. Quando um coro de almas indignadas protesta contra a algazarra que ia na sua casa de férias na Sardenha, com fotografias de beldades femininas como vieram ao mundo em alegre convívio com homens de meia-idade, só faço esta pergunta: não percebem os cães de fila que quanto mais invadirem a intimidade de Berlusconi, mais o fortalecem?


Têm dúvidas? O escândalo eclodiu em vésperas das eleições europeias. O partido de Berlusconi ganhou as eleições. O que deixa supor que há uma maioria de italianos que não se importa que Berlusconi leve uma vida airada e tenha as hormonas aos saltos (porventura com a ajuda de alguns comprimidos de cor azul, que estas coisas nos septuagenários não condizem com milagres). Oportunidade para o julgamento que as esquerdas costumam fazer quando a vida lhes corre mal nas urnas de voto: perplexidade e incompreensão com as escolhas dos eleitores (ficando no ar a insinuação – torpe, muito torpe – de que os eleitores têm inteligência diminuída).


Para a maioria dos italianos, a vida privada não interessa quando estão a ajuizar os candidatos através do voto. Eu tenho a sensação que os eleitores, por mais que os "catedráticos" lhes pespeguem a inteligência desmaiada, têm mais sensatez do que os iluminados ainda boquiabertos com a escolha popular. Tanta algazarra, com fotografias que escandalizaram tanta gente – ele é lá possível que meninas com maminhas ao léu passeiem à beira da piscina da casa de férias de um primeiro-ministro? – mas a maioria dos italianos continuou a preferir os candidatos de Berlusconi. Diagnóstico, só para aborrecer as almas puritanas que ainda seguram o queixo com tanta indignação: é sinal de que a maioria dos italianos (homens, e mulheres também) aprova a vida doidivanas em que Berlusconi se meteu agora que está divorciado. Imagino o típico macho italiano, boçal como são todos os machistas, a invejar as façanhas do primeiro-ministro, dizendo para quem quiser ouvir: "faz ele muito bem; eu fazia ainda pior". (Neste caso o sentido da palavra "pior" tem que ser apurado: pois "pior" até pode ser entendido como "melhor"…)


Que gente de esquerdas diversas reprove os apetites carnais de Berlusconi e se ponha a perorar sobre o que pode ou não o primeiro-ministro fazer na sua vida privada, é todo um programa de comportamento. Não sei se esta polémica goza da condescendência dos que acham que na "luta política" vale quase tudo. Até a devassa da vida privada. É e curioso ver tanta gente que milita em esquerdas, sempre disposta a pactuar com a desconstrução de usos sociais, e depois ver esses subitamente puritanos sacerdotes horrorizados com tão pecaminosos actos do adversário político. De repente, passou-me uma miragem pela vista: essas esquerdas de braço dado com o Vaticano (o que, para os tempos que correm, já nem é tanta heresia recíproca como se julga). Só mais uma pergunta: a indignação não teria sentido contrário se o paparazzi de serviço tivesse tirado uns retratos a um político das esquerdas apanhado a meter a faca no matrimónio? Com o episódio Berlusconi, o paparazzi foi glorificado; na hipótese que coloquei, seria crucificado.


Eu gosto de ver as esquerdas a serem tão moralistas. E gosto de as ver a espezinhar o valor da igualdade que, pelo menos na retórica, é por elas tão sacralizado. Percebo que elas fiquem exasperadas com as diatribes, a verborreia ridícula, a tendência para o lapsus linguae, os actos desastrados que, por junto, são o património genético de Berlusconi. Sobretudo quando, apesar de Berlusconi, ele continua a ganhar eleições. A devassa da vida privada como instrumento de luta política dá uma ideia da "política suja" e do catecismo estalinista que permanece vivo, nem que seja no plano das reminiscências.


Berlusconi é uma aberração? É. Vai ser derrotado com estes ataques soezes? Duvido. Há outra culpa que atiro para cima das esquerdas desesperadas: à conta destes imbecis pés-de-vento, vejo-me a defender tão aberrante personagem.

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