26.5.09

Nos comícios como as varinas

Para começar à bruta: a pior doença da democracia é haver eleições. Admito o paradoxo: sem eleições, como se corporiza a democracia? O problema não está no princípio, está no método. Dando de barato que o “povo” é o detentor do poder político, e que através das eleições mandata os eleitos para serem seus representantes, o problema reside no método da competição eleitoral. É quando volta à superfície, em todo o seu esplendor, a ideia de que vale deitar mão a tudo para chegar aos resultados.



O problema das eleições é haver campanha eleitoral. Pois é durante as campanhas eleitorais que se organizam comícios todos os dias, os candidatos aparecem na televisão a distribuir beijos e abraços a gente que nunca viram na vida. É quando na bebedeira das promessas eleitorais campeia a mais alta demagogia, como se todos os problemas fossem resolúveis com um simples estalar dos dedos – e como se a governação passada fosse um tremendo equívoco, um lamentável desperdício de tempo. É durante as campanhas eleitorais que se assalta a inteligência dos eleitores com discursos populistas dignos de vendedores de feiras, insidiosos ataques aos adversários, manobras rasteiras – tudo para atrair o voto da gente que se deixa inebriar com estas manobras reles.



É nas campanhas eleitorais que a indigência mental anda à solta. A indigência atinge o seu expoente nos comícios. Há ali uma liturgia que une políticos que saltam para o palco e a turba que acena as bandeiras do partido. Como se fosse uma celebração religiosa. Com a diferença da exaltação colectiva e do arrebatamento incendiado pelas palavras gritadas pelos candidatos. Que tomam conta do palco e são uma encenação completa. Os discursos não valem pelo conteúdo, valem pelo arrebatamento que provocam, pelo estilo incendiário que desata as emoções da turba, dir-se-ia, anestesiada.



Os oradores de discursos desfilam com pose orgástica, eles mesmos os detonadores da colectiva excitação da audiência. Como isto é curioso. Os partidos levam os militantes aos comícios em excursões que entram na contabilidade de custos da campanha eleitoral. E o que esperam os dedicados militantes? Ouvir o que acabam por ouvir. Contudo, aplaudem. Imersos num êxtase hipnótico. O que interessa é escutar os pregões ensaiados, desabar a sala num coro excitado quando o candidato culmina as palavras no zénite de decibéis que anuncia o momento do aplauso. Não vejo diferença entre isto e uma celebração religiosa daquelas seitas que espicaçam o êxtase colectivo dos crentes à medida que o sacerdote os convoca a uma levitação sensorial.



Nos comícios, desfila a mediocridade confrangedora. O tom de voz muito exaltado, numa enxurrada de decibéis e de pose alterada que é o lenitivo para a turba que assiste, embevecida, à performance. É como as varinas na lota. Com uma diferença que importa notar: as varinas não destoam numa falsa espontaneidade. De resto, tal como as varinas, os empertigados políticos que tomam o púlpito num comício desfiam o rol dos pregões que convêm. Estão lá para vender o seu peixe. Mas a audiência já comprou o peixe antes de entrar para o comício. Os destinatários a que querem chegar estão na vasta audiência que assiste a excertos do comício à distância, através das partes seleccionadas que aparecem na reportagem televisiva. E pergunto-me: é assim que os amadores políticos se convencem que convencem indecisos?



A democracia seria mais saudável se não houvesse campanha eleitoral, nem comícios, nem a orgia dos cartazes que infestam as cidades, nem noticiários televisivos que dedicam tempo a mais aos disparates proferidos em campanha eleitoral. Posso estar enganado no diagnóstico, mas a teimosia em organizar eleições à maneira antiga será uma das razões para que, de eleição para eleição, haja menos gente a votar.



Por ter começado ontem a campanha eleitoral, e para pessoal higiene mental, nas próximas duas semanas tenho voluntária clausura de noticiários televisivos. Já me chegou o risível episódio (agora espanhol técnico?), que desfila nas imagens lá em cima, da medíocre personagem que vai ser primeiro-ministro durante mais cinco anos.

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