5.1.09

Quem tem medo do futuro?


Publicidade na televisão. A um qualquer produto que se socorre dos avanços da tecnologia. Mostra como a vida das pessoas se agigantou num mar de facilidades mercê da enaltecida tecnologia que avança, imparável. Até para os mais velhos, à partida os menos preparados para lidar com as novas tecnologias, a vida se abre de par em par à janela de oportunidades da tecnologia. O anúncio termina com uma frase em pano de fundo: "o futuro é maravilhoso".


Reportagem num jornal sobre os tumultos na Grécia. Com a análise de intelectuais conhecedores do fenómeno: para alguns é a reinvenção do Maio de 68; para outros apenas violência anárquica sem outra motivação que não seja semear a desordem. Um dos sociólogos põe água na fervura nas excitações dos muitos que suspiram por um Maio de 68 requentado nas ruas de Atenas. No Paris de 1968, disse, havia ideias que mobilizavam os estudantes para saírem à rua, abalando os alicerces de uma sociedade que ficava para trás. Em Atenas de 2008, não se nota uma agenda construtiva. O que cavalga nas ruas é uma onda de destruição, muitas vezes sem se distinguir de vandalismo. Sem um código de ideias que seja o lastro que motiva os protestos de rua. Dos jovens gregos que revolvem as entranhas de Atenas emerge uma mensagem de cariz negativo: "têm medo do futuro".


Afinal o futuro é radioso ou é pavoroso? Aquela interrogação depende de uma combinação de múltiplos aspectos: a personalidade, a ideologia, a leitura da realidade, a interpretação da conjuntura – apenas para condensar em grandes categorias variáveis que mereciam explicação mais detalhada. Um céptico militante pode esboçar um sorriso quanto a certas facetas do futuro que se estende diante dos seus pés. Tal como se pode notar no optimista descomprometido um esgar de apreensão ao antecipar os tortuosos caminhos que o futuro pode percorrer. Para começo de conversa, o futuro é de uma complexidade assustadora, numa confluência de caminhos onde é o paradoxal que grita mais alto.


É possível a um céptico incorrigível olhar para o tempo futuro com uma airosa esperança. O futuro que se empenha nas mãos do progresso e da tecnologia. Atenuam-se, assim, as dores que consomem o incorrigível céptico. É o olhar que recusa retomar o tempo passado, por mais que nesse tempo agora ausente estejam alojadas memórias gratificantes. As memórias a que seria conveniente regressar, na óptica do céptico militante. Ele consegue desatar os nós do tempo que já não lhe pertence. Uma outra forma de tempo ausente, a que desfila nos dias vindouros, é a âncora com a realidade que traz sensações vivas – e já não apenas sensações resgatadas ao arquivo das memórias.


Como o de amanhã é o tempo sobrante, resta ao céptico incorrigível sorrir ao devir que o futuro lhe reserva. Com a actual marcha das coisas, na galopante tecnologia que tanto nos empenha às suas conquistas como é carta de alforria nas facilidades a que converte a vida, há uma luminosidade especial a tingir o futuro que se anuncia. O futuro é uma aventura portentosa que temos pela frente.


Só que o futuro tem diferentes cambiantes. Que me fazem amedrontar diante do amanhã prestes a aterrar. Não direi, em coro com os jovens gregos que espalham a confusão nas ruas de Atenas, que tenho medo do futuro pelos mesmos motivos que os angustiam. Têm medo que o futuro não tenha um lugar reservado para eles, que sejam matéria descartável pela sociedade capitalista em que se não revêem. Eu tenho medo do futuro – do futuro imediato – por ver os lençóis da crise convertidos numa camisa-de-forças que nos manieta.


Inquietam-me os sinais desta crise: a demissão das poderosas empresas que se perfilam de mão estendida diante do poder político à espera da esmola salvífica; a crise de confiança que se pulveriza, com os efeitos devastadores da desconfiança que atrai ainda mais desconfiança, numa espiral de incerteza; e, sobretudo, dos fracos genes dos políticos actuais pelo mundo fora, no auto-convencimento de serem os predestinados à salvação geral, arquitectando soluções desgastadas pelo tempo passado. Oxalá pudesse ter o desassombro de acreditar na boa têmpera das gentes. O obstinado pessimismo antropológico impede a afoiteza da análise.


Ao virar da esquina, este pavoroso sinal do futuro. A caldear-se com a esplêndida paisagem que outra cambiante do futuro anuncia. Eis o futuro em toda a sua complexidade, o futuro atado pelos paradoxais nós. Quem tem medo do futuro? Ninguém e, contudo, toda a gente?


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