8.12.08

Quando o (semi) vegetariano defende o consumo de carne


O consumo de carne pelos outros, bem entendido. Pelos carnívoros que não caem em lírica objecção de consciência, por comiseração com os animais que entram no matadouro só para comprazimento da raça humana (é o caso do autor). Pelos carnívoros que ignoram os apelos compungidos dos castos protectores do ambiente, sempre militantes na pedagogia dos bons comportamentos em homenagem à qualidade do planeta.


Só que há incoerências, deliciosas incoerências, dos zeladores do ambientalismo. Agora terão descoberto que o gado bovino é responsável por um nocivo contributo para a degradação da atmosfera. As vacas e os bois são animais muito dados à flatulência. E de cada vez que se soltam gases intestinais das reses, há uma baforada de gás metano que se perde na atmosfera. Um gás, dizem os entendidos, muito venenoso. Já há algum tempo tinha feito eco de um estudo que divulgou o potencial poluente do gado bovino. O estudo agitou as consciências: os bovinos emitiam mais metano que jipes de alta cilindrada. Na altura, a malta defensora do ambiente denunciou as ligações suspeitas entre os cientistas e a indústria automóvel. Não acreditavam que bois e vacas rivalizassem com os automóveis na contaminação da atmosfera. Acusaram os cientistas de estarem a soldo da indústria automóvel. Um estudo por encomenda, com conclusões esboçadas logo à partida.


Agora, a cruzada ambientalista chegou ao gado bovino. Afinal os cientistas, os mesmos cientistas que haviam sido vilipendiados, estavam cobertos de razão. É mesmo verdade: a elevada actividade flatulenta dos bovinos é um perigo para a atmosfera. Até descobriram mais: a "peugada ecológica" – conceito que está na moda, mais um instrumento para a sensibilização ambiental das gentes – das vacas e dos bois é dantesca. Também por causa da quantidade de água que cada animal consome ao longo da vida, antes de perecer às mãos do carrasco que trabalha no matadouro. Ponto da situação: comer carne bovina é um atentado ao meio ambiente, devido ao metano que os animais expelem e à muita água exigível para os dessedentar.


Convém identificar os tipos de ambientalistas. Há os fundamentalistas da protecção do meio ambiente, aqueles que têm o sonho de varrer o Homem do planeta para a natureza regressar ao seu estado virginal. Há os que rejeitam os excessos do tipo anterior, mas que se insinuam no papel de educadores das massas, ensinando, com inigualáveis doses de presciência, o que os incautos devem fazer para não serem réus no suicídio do planeta. E há os que alinham nas modas – e o ambientalismo está na moda –, muitas vezes apenas para se libertarem do ónus da pessoal consciência, sem haver uma motivação espontânea para a preservação do ambiente, outras vezes apenas porque sabe bem integrar uma vanguarda qualquer.


Agora um pouco de especulação. Se algum dia estas facções representassem a larga maioria, e os apelos dos advogados de defesa do ambiente fizessem um eco audível, que destino estaria traçado para os infelizes bovinos? Se as pessoas deixassem de consumir esta carne, a espécie bovina estaria condenada a desaparecer. A pureza da atmosfera o exigiria. Falaria mais alto do que o (julgava-se) sagrado princípio da biodiversidade, tão amado pelos ambientalistas.


Daqui surge outra interrogação: que estirpe de ambientalistas é esta que preconiza o genocídio bovino? Serão, paradoxalmente, ambientalistas nada amigos dos animais, quando julgávamos que estavam à frente dos demais na defesa dos direitos dos animais. Afinal há animais que merecem ser sacrificados no altar no deus ambiente. Animais que são a ralé da fauna. Ou reféns do oportunismo ambientalista. Não fossem as pitonisas do ambiente adversárias de manipulações genéticas (mais porque são negócio do que por outra razão substancial), aposto que defenderiam o eugenismo dos bovinos. Até um cientista maluco manipular os genes dos bovinos para que deixassem de ser animais habituados à habitual deposição de ventosidades na atmosfera. Ou talvez não: como iriam perder a oportunidade de reeducar as massas, o seu divino desígnio, levando-as a abdicar da carne bovina? As cadeias de hambúrgueres que se acautelem.


Há, de facto, contradições deliciosas. A das pitonisas do ambiente, em cruzada pelo genocídio bovino. E as minhas próprias contradições, em contramão pela estrada dos ambientalistas, defendendo o consumo de carne bovina – pelos outros.


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