27.8.08

As fronteiras da loucura


A complicada cabeça das pessoas. Às vezes, um súbito nevoeiro que entra pela respiração. As pessoas desatam a fazer asneiras, no puro sinal de um incompreensível ensandecimento. Um fogaréu: é sempre num instante que se consome a ilusão da loucura. Quando, apoderados pela demência, todos os poros transpiram uma fatal inimputabilidade.


O que passa pela cabeça de um homem para disparar um revólver à queima-roupa sobre a mulher que é a mãe do seu filho, e logo quando ela trazia ao colo o bebé de quatro meses? No meio da rua, à luz do dia, rodeado de testemunhas que seriam algozes necessários ao chegar a polícia? Inquieta-me, o cenário. Uma angústia atroz ao imaginar o homem com a vista toldada pelo súbito ensandecimento. Ao ponto de arriscar desfazer vidas que são património genético da sua. Que mistérios esconde o cérebro para empurrar uma pessoa para além da fronteira do inteligível, pisando os áridos terrenos onde habita a demência?


De um homem que traz a tiracolo um revólver não se afigura boa têmpera – meu diagnóstico. Porventura errado. Que há ainda quem julgue que a modernidade em que vivemos o não é, modernidade, mas apenas o prolongamento de um qualquer far-west vivenciado pelos olhos diante da tela do cinema ou de ecrãs de televisão. Insisto no diagnóstico: quem é portador de uma pistola enquanto deambula pelas ruas não terá a noção do que é a violência. Do mal que a violência pode fazer noutros, nessa própria pessoa até. Jaz aí um rudimento de loucura à espera de ser detonado? O destempero na corda bamba, a fragilidade silenciosa.


Não sei se existe maldade em estado puro. Nem do mais profundo pessimismo antropológico em que nidifico consigo aceitar que há seres que são maus em sua própria natureza. Não quero fermentar o pessimismo antropológico para além do tamanho que ele já atingiu. Escondo-me detrás de uma explicação, porventura na esperança que um pretexto seja. Não é maldade congénita: é a loucura que invade os que desatam a correr furiosamente pelos labirintos da maldade. É ausente discernimento, uma confusão que faz perder o norte. Desorientação momentânea; mas, num instante desaustinado se descompõem vidas. De quem foi vítima do acto demente e daquele que, por instantes preso à demência, abdica da sua liberdade.


A comprovação que tudo no mundo é desigual, fáceis as destruições do que foi moroso edificar. Uma certa leitura da vida. Uma certa visão do mundo. As cores garridas, as palavras maravilhosas, os gestos impregnados de afecto, uma melodia cheia de encanto – tudo na sua efémera condição. A fragilidade de poderem desmoronar-se com um esforço de nada. É a desigualdade entre o alento construtivo e o impulso doentiamente destrutivo. Nas energias gastas, tempo a fio, a compor algo. Num instante tresloucado, um singular gesto, um gesto possuído por uma dantesca simplicidade, destrona a combustão do que fora edificado. Lá no fundo, uma luz que se divisa: é o próprio tempo, voraz na concepção demorada da construção que esbarra no lapso de uns segundos, uma tempestade colérica que chega e tudo arrasa.


Não sei: se há loucura por todos os lados, para onde quer que olhemos, para onde quer que vamos. O grito aflitivo da demência, furiosamente varrendo da existência o que demorara a ser erguido, como se essa demência tivesse a energia concentrada de uma bomba de neutrões. É a larga mesa envenenada que atraiçoa os que andavam pelos carris da quietude. O pior é que essas mesas envenenadas são como traiçoeiros cogumelos apanhados do bosque por um leigo: só depois de se provar da cicuta de que são feitos é que revolve a loucura exponencial.


A loucura deve ser um imenso quarto branco. Tão imenso, e tão branco, que não tem horizonte. Aos que escorregam para as movediças areias da demência, um só destino: a consumição da alvura do quarto imenso. Onde nem o resgatado discernimento é salvação para o caminho de retorno. Nessa altura, o juízo retomado é uma dor lancinante: na dúvida de saber se habita no terreno do juízo, ou se a fronteira da loucura foi, e sem expiação, dobrada.


3 comentários:

.... disse...

eu juro que não queria te plajear...
kkkkkkkkkkkkk
estava atrás de uma imagem que expressase o q eu queria escrever....e aí encontrei a foto do quadro....depois é que fui ver que era de um blog.....
sério!
se quiseres ,eu tiro do meu blog
kkkkkkkkkkkkkk
beijos
Etiene

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Este post continua actual e a fotografia fabulosa.
Parabéns pelo seu blog!