1.7.08

Indemnização por perdas e danos por todos os anos gastos a queimar pestanas por causa do estudo exigente, quando agora é tudo um mar de facilidades


A educação é coutada dos “pedagogos”. Uma casta. Muito dada a experimentalismos, reinventando todos os anos, sem perceberem que os alunos são mais cobaias do que alunos. Montados na onda do experimentalismo, os “especialistas em ciências da educação” têm sabido mudar o ensino de tal forma que, ano após ano, o mar de facilidades entra terra dentro, inexorável. Até dá para perceber a erupção de generosidade dos “pensadores” da educação: é a consciência atormentada de quem sabe fazer passar os alunos pelo papel de cobaia, compensando-os com um vasto oceano de facilidades.

Nos últimos anos, quando chega a altura dos exames finais multiplicam-se os problemas. Os verdadeiros especialistas dos saberes – não os pedagogos que concebem os exames, remetidos ao amadorismo que se desmascara – denunciam erros na concepção dos exames, acusam muitos casos de exames sem seriedade por mergulharem num facilitismo despudorado. Não vou aos erros que constam de exames – matéria que daria pano para mangas, a confissão da incompetência metódica de um exército de diplomados em “ciências da educação” que anda pelos corredores do ministério da educação.

Mais problemático é nivelar a exigência por baixo, cada vez mais por baixo. O problema tem duas dimensões. Primeiro, é uma terrível armadilha para os alunos que passam pela fasquia de tão reduzida exigência. Habituam-se a uma cultura de facilidades. Sentirão mais tarde o choque: ou quando entrarem na universidade – se a universidade entretanto não rastejar para níveis de exigência próximos do zero –, ou quando forem libertados na selva do mercado de trabalho. Nessa altura apetecer-lhes-á pedir responsabilidades aos tais “especialistas em ciências da educação” que, perceberão então, são um embuste total. Segundo, quem teve um percurso escolar marcado por alguma exigência sente-se agora defraudado. Esses olham para trás e perguntam: para quê tanta exigência se agora é tudo tão fácil?

Faço parte deste grupo. Não digo que tive uma adolescência desaproveitada por ter sido obrigado a encafuar-me numa torre de marfim devido às elevadas exigências do estudo na escola. Ainda assim, podia ter aproveitado o tempo para actividades outras que enriquecessem o intelecto. Podia ter diversificado interesses se não tivesse queimado pestanas no estudo. Se há justiça intergeracional – e se ela é cuidada pelos governantes, o que nem sempre aparece com nitidez nas suas prioridades – este é um exemplo da sua negação. Os meninos de hoje mandam às urtigas o estudo. Pudera: sabem que na hora da prestação de contas, só os acéfalos é que reprovam.

A pretensa democratização do ensino tem novas roupagens nos alvores do século XXI, mais um inestimável contributo dos “pedagogos”: antes significava abrir as portas das escolas a todas as crianças, mesmo a crianças de famílias carenciadas; agora, é sinónimo de aproveitamento sem esforço. Um eufemismo para passagem de ano administrativa.

Dizia há pouco: talvez só acéfalos alunos é que estão condenados à reprovação. E talvez nem esses. Na semana passada, o CDS-PP acusava o governo de mandar lume para a fogueira do facilitismo na educação. Foi lido um excerto de uma acta de uma reunião da direcção-geral do ensino da região norte (DREN), em que a egrégia personagem que lá manda (é o termo adequado) elaborava uma sofisticada teoria. Retive duas pérolas dessa doutrina: os avaliadores que têm a mania de cortar rente nas notas, afastados da avaliação (proponho daqui: por cada aluno chumbado, um dia a menos de salário a quem o chumbar; por cada nota inferior a 14, um dia de férias descontado ao avaliador); segunda pérola, a consagração de um “direito ao sucesso escolar”, porventura proposta a fazer em futura revisão constitucional. Assim mesmo: ser aluno é ter direito ao sucesso escolar. Como esse sucesso é alcançado parece não interessar à insigne figura que manda na DREN. Por outra, o que interessará é garantir que todas as criancinhas obtenham aproveitamento, merecido ou não.

(Por este dias fui testemunha da altivez da directora da DREN em pleno centro comercial, ostentando a sua avantajada figura embrulhada em dispendioso vestuário de marca, nariz empinado, o olhar garboso vagueando de um lado para o outro dos corredores como quem estivesse a perguntar: “ó súbditos, não me reconhecem? Então façam a vénia que vos é devida”. A vertigem do poder embriaga muita gente.)

Eis a banalização do ensino. Parece que fazem sentido, cada vez mais, teorias radicais que defendem o direito ao ensino fora da escola, remetido ao lar. Ao menos escapam ao jugo contorcionista destes “pedagogos” que apenas se interessam com os campeonatos das estatísticas: temos que rivalizar com os parceiros europeus, nem que seja à custa da ilusão estatística. Não contam as capacidades dos alunos, o que interessa é que a sua incapacidade competitiva seja mascarada pelo véu das facilidades no ensino. Estamos conversados acerca da têmpera destes “pedagogos” (sempre com aspas).

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