23.6.08

E a imbecilidade, não devia pagar imposto? (Sobre a formidável ideia de impor uma “taxa Robin dos Bosques” às empresas petrolíferas)


Do luminário timoneiro, já nada surpreende. Aprendi a conviver com a feérica maneira de fazer política, e de governar, em que só contam os soundbytes e a imagem servida num vistoso papel de embrulho. Desembrulhado o pacote, uma imensidão de nada. Ou um latifúndio de incompetência, a muita falta de qualidade. E o pior é que a sacrossanta imagem depurada nos ateliers dos consultores da especialidade é a de uma personagem de incontáveis virtudes, intelectualmente brilhante, cheio de capacidades – mas tudo no seu contrário.

A última pérola: para conter a carestia dos combustíveis, a possibilidade de aplicar uma “taxa Robin dos Bosques” (sic – e já explico o porquê deste “sic”) às empresas petrolíferas. É verdade, sou suspeito para apreciar as “ideias” deste governo, invariavelmente condenadas à desaprovação pessoal. Ainda assim, não me recordo, nos últimos tempos, de anúncio tão descabido, tão patético. Contudo, na linguagem que os fazedores de imagem compreendem – e que, se calhar, franjas avantajadas do eleitorado consomem com uma acrítica bulimia –, percebe-se onde quer chegar o timoneiro da nação. A imagem de Robin dos Bosques é sedutora para o povo ávido de justiça social. Há muita gente convencida das prédicas elaboradas por um exército de comentadores, assegurando que pagamos combustíveis caros não apenas por causa da inflacionada cotação do petróleo: erguem o dedo acusador às empresas que comercializam combustíveis.

Basta combinar os dois aspectos: a gasolina cara por causa das ignóbeis empresas petrolíferas e a sedução por um Robin dos Bosques que tira aos ricos para redistribuir pelos pobres. É uma retórica apelativa. Quem pode, no seu “juízo social”, recusar a acção justiceira que distribui uma fatia dos tremendos lucros que as petrolíferas estão a conseguir com a alta do preço do petróleo? No final, é a aura messiânica do primeiro-ministro que marca pontos. Que as gentes não se iludam: falta um ano para eleições. E se esta gente que se sentou no cadeirão do poder andou todo este tempo a governar para a imagem, não se espere coisa diferente agora que entraram em antecipação de pré-campanha eleitoral. Resta a pueril comparação com um Robin dos Bosques: o retrato perfeito da personagem (da que se oferece à comparação).

Os factos. Primeiro, alguém lhe devia ter explicado que uma taxa não é um imposto. Ou por inépcia pessoal (não ter entendido bem o que lhe passaram os assessores), ou apenas um lapsus linguae, mas o que sua excelência congeminou (ou alguém por ele) é um imposto, não é uma taxa. Convém dar uma explicação técnica. Pagamos impostos quando nada podemos exigir em troca. Nem sequer podemos negociar os impostos que somos obrigados a pagar. Por isso é que os técnicos da matéria definem um imposto como uma “prestação coactiva e unilateral”. Uma taxa, ainda que também seja unilateral e coactiva, distingue-se do imposto: quem a paga recebe em troca um serviço. Pagamos uma taxa de televisão, ou uma taxa de recolha do lixo que vem apensa na factura da água, só para citar dois exemplos. Ora, o que o timoneiro “idealizou” é um imposto – tanto mais que se apressou a chamá-lo “Robin dos Bosques”. Se fosse uma taxa, que contrapartidas seriam asseguradas às empresas petrolíferas? A menos que haja aqui gato escondido com o rabo de fora…

Segundo facto: a personagem está-se a especializar na arte de atirar areia para os olhos do público. A culpa da carestia dos combustíveis é só das empresas petrolíferas? Há algo que não bate certo, contudo: cerca de 70% do preço que pagamos por cada gota de combustíveis que entra no depósito dos automóveis reverte para o Estado, a título de impostos (IVA e ISP). Quem lucra, afinal, com a carestia dos combustíveis? E assim fica demonstrada a hipocrisia em estado puro, ou como o descaramento é tanto que se tenta desviar as atenções para o lado errado, só para imacular a imagem de quem é o grande culpado pela gasolina cara que pagamos.

Terceiro facto: as lições da história servem para nada (ou nem sequer foram estudadas, ou que será diagnóstico pior, não no caso do timoneiro mergulhado na sua natural inépcia, mas dos assessores que o deviam aconselhar bem). No primeiro choque petrolífero, em 1973, os países ricos reagiram ao aumento do preço do petróleo subindo os impostos sobre os combustíveis. Foi como se um elefante tivesse empreendido furiosa corrida em estreita loja de porcelanas: uma espiral de preços, e o problema agravado.

A receita para não sermos enganados por estas formidáveis propostas que se reduzem à sua vacuidade: andar com os olhos bem abertos e não deixar os neurónios anestesiados pela propaganda do governo. E que são o oráculo da vacuidade da personagem que se acha timoneiro salvífico da lusitana terra. Imagem perfeita, sim, mas da sua declarada incompetência. De tanto se ufanar do que pretende ser, fica desnudada a sua verdadeira têmpera. Cada vez mais me convenço do que ele é: um Santana Lopes sem o destempero verbal, sem o lado mundano e com boa imprensa. No resto, tudo igual.

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