20.5.08

Garanhões!


Há notícias que são uma revelação, porventura inesperada:

Quatro em cada cinco portugueses garantem que não abdicam de sexo a favor de um jogo de bola. Este número (…) é bastante superior à média europeia, que ronda os 50 por cento. Garante um estudo conduzido em 17 países europeus, segundo o qual apenas 17 por cento dos portugueses trocaria uma noite de sexo por uma partida de futebol.

Enfim à frente de uma lista oferecendo motivos de orgulho. Faz parte da desdita indígena a habitual vergonha que nos consome quando aparecemos na retaguarda dos campeonatos europeus de qualquer coisa. Há uma leitura óbvia deste inquérito: na hora H, a maioria dos machos lusitanos, por mais adepta que seja do futebol, não deixa créditos por mãos alheias quando as hormonas falam mais alto. Não há jogo de futebol que resista ao apelo da libido, a uma curvilínea mulher que se insinue diante do ecrã da televisão onde quarenta e quatro peludas pernas masculinas perseguem uma bola e duas balizas. Nessa altura, o olhar dos machos lusitanos desvia-se para outras balizas.

Só que a prudência aconselha a leituras que se desprendam do óbvio. Primeira advertência: há generalizações que se consomem em si mesmas. Tomemos como exemplo um adepto quase doentio do futebol: troca qualquer jogo por qualquer espécime do sexo feminino? É que há jogos de futebol e jogos de futebol, uns mais interessantes, outros apenas um medicamento contra insónias; como há mulheres e mulheres, umas mais dotadas e outras manifestamente desinteressantes.

Segunda advertência: as respostas que os habitantes lusitanos deram a este inquérito podem corresponder ao lema “cão que ladra não morde”. Que é como quem diz, muita homenzarrada, colocada diante da pergunta, terá omitido a reacção verdadeira. Terão dito o contrário do que fazem, só para não se acharem mergulhados no opróbrio pessoal da sexualidade reprimida pela doentia atracção pelo futebol. Até porque o bom macho latino não escorrega para estas futilidades, não troca a sua máscula condição pelo futebol – por mais másculo que o gosto pelo futebol possa ser exibido. Só que, curiosamente, os espanhóis – supõe-se, tão machos latinos como os lusitanos – “(…) estão no outro extremo da lista: 72 por cento trocam uma noite de sexo por um jogo”.

Não por acaso, o marialvismo é um atributo imputado à portuguesa masculinidade. Consta que as turistas estrangeiras, sobretudo as que nos visitam desde terras britânicas e nórdicos países, se encantam com a proficiência dos machos lusitanos. Há, pois, uma fama a preservar. Que nos distingue da homenzarrada Europa fora, que na hora H deixa as senhoras com água na boca, demitindo-se da função enquanto se entusiasmam com um jogo de futebol que passa na televisão. Estou a ver alguns estudiosos do comportamento humano a tirarem científicas conclusões: que haverá neste protelamento das hormonas masculinas alguma homossexualidade latente, ou como se pode entender que um homem – um homem que se gabe de o ser – troque o sexo com uma mulher por um jogo de futebol, um mulher pela visão de quarenta e quatro peludas pernas atrás de uma bola e duas balizas?

Terceira advertência, em seguimento da anterior: porventura somos mentirosos compulsivos. Se o futebol é um dos “F” que deprimem a portugalidade, como se explica que quatro em cinco nativos venham dizer que não trocam um jogo de futebol por uma mulher? Algo não bate certo. Talvez a confirmação de que somos levados para o terreno da mentira, nem que seja para obnubilar o que não convém confessar, não vá a garbosa masculinidade ser questionada. Assim como assim, a mentira compulsiva aprendem-na com o primeiro-ministro que lhes calhou em sorte.

Quarta advertência: a incongruência dos resultados fica patente quando se verifica o seguinte: “isso não quer dizer que os adeptos portugueses não sejam fervorosos. Foram aliás, os que mais responderam afirmativamente quando lhes perguntaram se o futebol era para eles como uma religião: 73 por cento disseram que sim”. Sabemos que estes são tempos difíceis para as religiões, tanto se vai enraizando o hedonismo. E sabemos como as religiões – com destaque para a quase oficial religião – combatem o sexo como distracção. Eis como o inquérito revela a fractura entre religiosidade e hedonismo. Pois se o futebol fosse mesmo uma “religião” (ou assim for levianamente encarado) por 73% dos inquiridos, essa multidão punha a religião para segundas núpcias perante o apelo da libido?

Apanha-se mais depressa um mentiroso que um coxo...

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